segunda-feira, 20 de abril de 2015

VOTOS… EM OUTUBRO





Grande atitude teve o PM Passos Coelho. Só uma mente esclarecida como a dele conseguiria traduzir de forma tão arguta o que lhe vai na alma. Não se limitou a fazer um simples voto de pesar pela morte de Mariano Gago… Não. Foi muito mais longe. Muito mais do que alguma vez esperei do bom senso, da razão e da boa educação. E, educado como é, reconhecendo os méritos de quem tão grande foi, não se limitou aos simples votos de pesar pela sua morte. Foi muito mais longe e patenteou a sua grande “manifestação de Apesar”.

A dimensão humana deste Primeiro-ministro foi inequivocamente demonstrada. A sua grandeza de princípios, a eloquência e a arte de transformar coisas grandes em ínfimas e de valorizar a mesquinhez levou-o a esta grande manifestação de apesar – “apesar de ter sido ministro em governos do PS”.

Pela prática demonstrada na destruição da obra que Mariano Gago ajudou a criar percebe-se, perfeitamente, as razões que assistiram à transformação do voto de pesar em manifestação de Apesar.

Destes já não espero nada. Resta-me, tão-só, a consolação de que já falta pouco tempo para os afugentarmos do nosso pesadelo – será em Outubro.



segunda-feira, 13 de abril de 2015

DESCAMINHO DA HONESTIDADE E DA HONRA





Escreve, como post sciptum, Nicolau Santos no Expresso diário, de 13 de Abril, relativamente aos “terrores” sentidos pela direita trauliteira e pelo centro-direita – à beira da orfandade –, e denunciando a postura manifestada pelos escribas do “informativo onlineO Observador, face à eventual (que ainda não é certa) candidatura à Presidência da República de Sampaio da Nóvoa:

O Observador começa agora a confirmar em toda a sua plenitude ao que veio: baralhar em defesa do centro-direita nas legislativas de 2015 e nas presidenciais de 2016. E se perder as duas batalhas? Os privados continuarão interessados em investir a fundo perdido no site? Exemplo de O Independente não é bom augúrio…

Julgo que os investidores começarão a pensar se valerá a pena pagar àqueles que tão bem chafurdam na lama sem conseguirem qualquer resultado – nem sequer para a transformar em estrume…

A sanha irracional contra Sampaio da Nóvoa tem sido de uma acutilância incoerente, o que define de forma eloquente as inconfessáveis intenções destes mercenários maldizentes da informação.

Uns forjam currículos académicos para irem para a política (e a direita aplaude-os, pois sabem que todos os meios servem para atingir os seus objectivos), outros são desconsiderados por terem currículos autênticos de elevado e reconhecido mérito, mesmo tendo atingido o reconhecimento máximo dos seus pares – reitor da Universidade.
Cada vez encontro mais dificuldade em explicar e exemplificar aos meus netos o sentido autêntico das palavras honestidade e honra. Muito menos consigo convencê-los que muita gente houve que chegou a dar a vida pela defesa destes dois princípios éticos da nossa sociedade.



VAMOS FAZER ESTÁGIOS ATÉ SERMOS VELHINHOS?




Seis em cada dez trabalhos criados em Portugal são estágios. Neste mês, arrancam as candidaturas ao Reactivar, programa de estágios para maiores de 30. Precários Inflexíveis juntaram-se no sábado para organizar uma “resposta a este abuso

Mariana Correia Pinto, no Público de 13 de Janeiro de 2015

O estágio profissional de 12 meses está prestes a terminar e Joana já sabe que não vai continuar na empresa. Os zunzuns de uma possível proposta apontam para um salário igual ou inferior ao que recebe actualmente (cerca de 690 euros brutos por mês) e não está disposta a aceitar mais essa exploração. No currículo já tem um estágio curricular não remunerado de nove meses, obrigatório para terminar o mestrado em Psicologia, e quatro meses e meio de trabalho gratuito na empresa onde está agora a terminar o estágio profissional – período em que esteve à espera da aprovação do estágio por parte do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP). Para ser aceite na Ordem dos Psicólogos, terá ainda de fazer mais um estágio profissional de um ano.

A vida de estágio em estágio de Joana (nome fictício) é semelhante à de milhares de portugueses que vêem nesta modalidade a única opção de entrada no mercado de trabalho. Segundo dados do Banco de Portugal divulgados no final de 2014, seis em cada dez postos de trabalho criados no país correspondem a estágios. No sábado, os Precários Inflexíveis juntaram-se para delinear um “caderno reivindicativo” e organizar uma campanha de luta contra esta realidade.

Maria Manuel também lá esteve. Acha urgente que se fale sobre o assunto e que se mudem mentalidades: “As empresas tentam normalizar o assunto e apresentar o estágio como uma grande oportunidade e um privilégio que dão às pessoas. Mas estamos a falar de uma forma de exploração e precarização utilizada para suprimir postos de trabalho.”

A designer de comunicação sentiu-o na pele. Em 2010, embarcou num workshop de Verão de três meses promovido pelo grupo Menina Design. Eram 30 pessoas e seis seriam seleccionadas para um estágio profissional no fim. Maria passou à fase dois. Mas a aprovação do estágio pelo IEFP tardava e decidiu que não queria trabalhar de graça. Comunicou-o à empresa e foi aguardar o início do estágio para casa. Meses depois, quando as verbas do Estado foram desbloqueadas, a empresa informou-a de que já não estava interessada nela: “Disseram-me que a minha paixão pela empresa não era suficiente, já que todos tinham continuado a trabalhar menos eu.”

A empresa de design por onde Maria Manuel passou esteve recentemente na ribalta por ter sido a presença portuguesa no filme Cinquenta Sombras de Grey. Mas é também uma figura assídua em plataformas de denúncia de precariedade laboral como os Precários Inflexíveis ou o Ganhem Vergonha, que lançou uma campanha de crowdfunding para editar um livro com denúncias como essa. “Fazendo-se valer da visibilidade internacional”, o Menina Design Group tem “muita gente a trabalhar de graça”, acusa Maria Manuel. “As pessoas ficam iludidas à espera de que alguma magia aconteça.” O workshop gratuito em que a designer de 30 anos participou em 2010 não foi um evento único.

Oportunidade de aprendizagem? “Não”, responde categoricamente. Durante o workshop, contou ao P3, os jovens designers já produzem peças comercializadas e mesmo quem não é seleccionado para o estágio profissional é convidado a “continuar a aparecer” na empresa.

“Têm ali um conjunto de malta a trabalhar de graça, tanto em produção de mobiliário para as marcas próprias como na produção de serviços vendidos a outras marcas.” O P3 contactou a Menina Design, mas até à hora de publicação deste artigo não obteve qualquer resposta.

É do design, arquitectura, psicologia e algumas áreas humanísticas que continua a chegar o maior número de queixas. Mas o “abuso inaceitável” da figura do estagiário é “cada vez maior e abrange cada vez mais áreas”, alerta Adriano Campos, dos Precários Inflexíveis. “Temos encontrado ofertas de estágio para operadores de telemarketing ou vendedores em lojas de roupa. É um absurdo.”

Os estagiários, recordam os Precários Inflexíveis, têm exigências de um posto de trabalho normal, cumprem um horário, não têm férias, se fizerem estágios de nove meses não têm direito a subsídio de desemprego no fim. E sofrem ainda uma “desconsideração”, sendo sempre colocados num segundo escalão, assumindo frequentemente tarefas que não são a sua função. “O estágio é claramente uma forma de nivelar por baixo a entrada no mercado de trabalho”, lamenta Adriano Campos.

“Mural da vergonha”

Também no sábado foi inaugurado no Porto (Galeria Geraldes da Silva) um “mural da vergonha”, onde todos podem colocar propostas absurdas de emprego e estágios (“como a da Danone, que dava paletes de iogurte em troca de emprego, ou as de empresas que pedem experiência profissional, domínio de três línguas e 12 horas de trabalho diário e oferecem um salário mínimo”, exemplifica Adriano) e pode assistir-se à peça de teatro-fórum M.E.T.2., uma produção conjunta do Núcleo de Teatro do Oprimido de Braga e da Associação Tartaruga Falante, que aborda as questões da precariedade, estágios e direitos laborais e apresenta uma crítica ao discurso do empreendedorismo. As iniciativas fazem parte do evento SOS Estagiário, organizado pelos Precários Inflexíveis, para se ouvir relatos de estagiários (qualquer pessoa pode aparecer), desenhar-se um “caderno reivindicativo” e pensar numa “forte campanha” que estará depois nas ruas e que será levada à Assembleia da República em formato de petição.

Algumas das exigências a incluir estavam já bem delineadas na cabeça dos activistas: maior fiscalização dos estágios por parte da Autoridade para as Condições do Trabalho, limitação do acesso a estágios por parte das empresas (com a obrigatoriedade de contratação de um em cada dois estagiários), alargamento dos estágios de nove para 12 meses (dando às pessoas a garantia de que têm, pelo menos, acesso ao subsídio de desemprego no fim do contrato), garantia de respostas mais céleres do IEFP aos processos e novas soluções para quem é obrigado a fazer estágios para entrar nas respectivas ordens (como a dos Arquitectos, Advogados ou Psicólogos, por exemplo).

Recentemente, uma proposta de “summercamp em plena Primavera” publicada no Facebook pela empresa de arquitectura Polígono gerou uma onda de indignação nas redes sociais, onde se fala de “escravatura contemporânea”. André Pereira revelou num blogue uma troca de emails com a empresa, que lhe propunha uma remuneração de 500 euros por dois meses por um “trabalho rijo e intenso fisicamente”, mas que “seguramente terá imensa visibilidade e repercussão”.

“É preciso contrariar esta ideia de que as empresas fazem um favor aos trabalhadores por lhes darem um estágio. A sociedade precisa destas pessoas e ser integrado é um direito”, sublinha Adriano Campos. As perspectivas de uma reviravolta desta “lógica instalada” não são, no entanto, animadoras. O Governo publicou no dia 20 de Março no Diário da República o Reactivar, programa de estágios de seis meses destinados a maiores de 30 anos inscritos em centros de emprego há mais de um ano. “É uma extensão da austeridade. Este Governo especializou-se em ocupar os desempregados com estágios e cursos, e desde que assumiu funções fez com que se perdessem milhares de postos de trabalho.”

A empresa onde Maria Manuel está há dois anos com um contrato a tempo indeterminado mudou o foco e vai deixar de precisar de uma designer. Em breve estará desempregada. Tal como Joana. O futuro? Provavelmente passa por emigrar, lamenta Maria Manuel: “Emocionalmente custa-me, mas em Portugal ou se é empreendedor ou se salta de estágio em estágio. Vamos fazer estágios até sermos velhinhos? Não é solução.”





quinta-feira, 2 de abril de 2015

A MAQUILHAGEM DOS DADOS DO DESEMPREGO


DESEMPREGO – Um estudo eleva de 13% oficial para os 29%

Não foram os nossos jornais; foi o jornal el Mundo que publicou no dia 27, do passado mês de Março, o seguinte texto:

¿Está maquillando Portugal sus datos de desempleo?



El primer ministro de Portugal, Pedro Passos Coelho.REUTERS
VIRGINIA LÓPEZ Especial para EL MUNDO Lisboa
Actualizado: 27/03/2015 20:07 horas

No princípio deste mês, o Eurostat revelava que Portugal era o terceiro país que mais havia reduzido a taxa de desemprego, até el 13,3%, em Janeiro passado. Contudo, um estudo divulgado hoje pelo Observatório de Crisis y Alternativas de la Universidade de Coimbra revela que estes números oficiais podem estar muito abaixo dos números reais.

Segundo este estudo, a taxa real de desemprego em Portugal estaria nos 29%. Ou seja, que nas estatísticas não entram todas as pessoas que na realidade não têm emprego em Portugal.

Além de mais, o estudo também é muito crítico com "la criação de empregos registados recentemente", na óptica do governo liderado pelo primeiro-ministro social-democrata Pedro Passos Coelho. O Observatório entende que esta recuperação de emprego assenta em "bases frágeis". "O desemprego actual é um desemprego mais desprotegido do que antes do programa de ajustamento", e o "emprego gerado em Portugal é baseado sobre todas as actividades precárias e bolsas mal remuneradas, sem perspectiva de continuidade ou de verdadeira reinserção no mercado de trabalho".

Em Portugal, o salário mínimo situa-se, desde Janeiro deste ano, em € 505,00, depois de estar vários anos congelado nos € 485,00. Além disto, existe mais de um milhão de trabalhadores “contratados” a falsos recibos verdes. Ao dizerem que são autónomos, é dizer que pagam por si só a sua própria segurança social e impostos do trabalho, quando na realidade deveriam estar contratados pelas empresas onde trabalham todos os dias. Mas estas empresas não os contratam, apesar de saberem que é ilegal e que poderiam pagar avultadas multas no caso de serem denunciadas. Porém, qual é o trabalhador precário que se atreve a denunciar, sabendo que não tem garantias de não perder o seu posto de trabalho, ainda que seja precário?

Por outro lado, existem as bolsas profissionais, pagas a “meias” entre o Estado e o privado, que em teoria serviriam para dar acesso ao mercado laboral aos jovens licenciados. Na prática, como denuncia o Observatório, estas bolsas são uma maneira de sair mais baratas as contratações pelo empresário, que posteriormente não renova o contracto com o trabalhador, uma vez terminada a bolsa estatal.

Segundo os dados do Instituto Nacional de Estadística (INE), desde 2011, ano em que Portugal foi resgatado, até ao segundo semestre de 2013, destruíram-se mais de 460.000 postos de trabalho e apenas se recuperaram cerca de 38 mil.

sábado, 28 de março de 2015

A PERMANENTE VIL MENTIRA




Há muito que não escrevo um postal. Vários são os factores que contribuíram para esta ausência da blogosfera; mas, o motivo principal é porque me sinto qual personagem do Pe. António Vieira no sermão de Santo António aos peixes – eles não ouvem, nem têm consciência daquilo que os rodeia. De que vale a continuar a apregoar erros, alertar para irregularidades, criticar a desfaçatez e a irresponsabilidade. Tal como os peixes e outros animais quaisquer são inimputáveis; têm uma missão a cumprir, somente não sabem qual; cumprem ordens (ou desígnios), mas não sabem quem lhas ordena. Cumprem uma missão, mas não é aquela para a qual foram eleitos; governam a rogo – mas, não do povo.

A quem obedecem?

Durante toda a minha vida ouvi (e, assim, fui educado) que a responsabilidade é solidária; quanto mais alto se estiver na hierarquia da cadeia de comando, maior é a responsabilidade. Também me ensinaram que é necessário (imprescindível, até) estarmos bem esclarecidos para podermos – honesta, responsavelmente e em consciência – emitir uma opinião ou deliberar sobre qualquer assunto.

E o que vemos?

Vemos a Ministra de Estado e das Finanças a desresponsabilizar-se pela sua incapacidade de cumprir e fazer cumprir as obrigações para as quais foi nomeada. Pelo contrário, enjeita qualquer sentimento de responsabilidade e imputa-o aos seus subordinados.

Por outro lado, vemos (já não falo do Citius, nem das alarvidades produzidas mais para trás) a Ministra da Justiça a manipular dados sobre a pedofilia para levar o Conselho de Ministros a decidir sobre uma lei que, no mínimo, deveria ser cautelosa e sobejamente estudada. Para quê tanto trabalho em viciar e quantificar dados na informação prestada ao Conselho? Bastaria levá-la ao parlamento, informar a maioria de qual a intenção de voto e aguardar pela decisão. Esta maioria tem-nos demonstrado que está ali para cumprir as vontades transmitidas pela “Voz do Dono” e não, como a Constituição o impõe, para fiscalizar os actos do Governo.

Como escrevi, hoje, a um amigo (à laia de brincadeira), o PM teria ido ao Japão para aprender a palavra “Saionara”.

Mas, o meu espírito de imediato se ensombrou: e se estes indivíduos (habituados, como estão, ás confusões e à manipulação das intenções) em vez de "saionara" aprendem uma outra expressão bem portuguesa – até sempre. Isto, sim, seria grave. Era como “morrer à beira da praia”. Era fazer ressurgir o passado que terminou (julgava eu) em Abril de 1974.

Já falta pouco par as eleições… Será no final do Verão que eles saem… (?)

Mas está a custar tanto…!


segunda-feira, 2 de março de 2015

QUEM NOS GOVERNA



Em Junho de 2014, milhares de cidadãos portugueses receberam notificações da Segurança Social com aviso de pagamento de dívidas, sob a ameaça de penhora. Os devedores tinham um mês para pagar o que deviam, fosse muito ou pouco.

E ainda, segundo Sérgio Lavos, no 365 Forte, “os funcionários da Segurança Social tinham recebido uma ordem directa do ministério para cada posto de atendimento fazer um apanhado das dívidas, um apanhado feito em bruto sem ter em conta condicionantes como pedidos de isenção. Funcionários em todos os centros do país andaram a fazer horas extraordinárias, durante dias seguidos, para conseguirem notificar os devedores até ao final de Junho – aparentemente, havia um problema de liquidez urgente na Segurança Social e uns números para compor nas estatísticas do Governo. A pressa era muita. Tanta que até devedores cuja dívida tinha prescrito foram notificados”.

«O ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social considerou hoje que o primeiro-ministro foi "vítima de erros da própria administração", à semelhança de milhares de portugueses, referindo-se à anterior dívida de Passos Coelho à Segurança Social».

Marcelo Rebelo de Sousa – insuspeito – pergunta “Como é que se paga voluntariamente uma dívida prescrita?

E acrescenta: “Não percebo. Não percebo nada. Primeiro ponto que não percebo: entre 2004 e 2009, Passos Coelho, como qualquer trabalhador independente, tinha de se registar e tinha de pagar à Segurança Social. Não é preciso nenhuma notificação", no habitual comentário na TVI”.

E eu pergunto: Que governo é este…?



domingo, 22 de fevereiro de 2015

CAMUFLAR A MENTIRA




Como diz Francisco Seixas da Costa, no “duas ou três coisas”: «o destino político da senhora ministra [das Finanças – Maria Luís Albuquerque] estará, daqui a meses, na mão dos portugueses. E esses, a seu tempo, dirão de sua justiça. Só que, até lá, a senhora ministra não tem um mandato que lhe permita, ainda que temporalmente, conspurcar fora de portas o nome do país honrado em que exerce funções. Alguém deveria conseguir explicar à senhora ministra que o espectáculo a que se prestou ao lado do seu colega alemão foi de uma indignidade, quase sem par, na representação externa do Estado. Deixar-se utilizar como instrumento comparativo por parte de Berlim na sua cruzada de isolamento da Grécia configurou uma das mais tristes figuras que alguma vez vi fazer a um governante português na ordem externa – e, podem crer!, já vi bastantes e bem lamentáveis. E prolongar essa atitude no Eurogrupo, para entrar no "quadro de honra" com que Berlim premeia os "alunos" bem comportados, ajudando cobardemente à humilhação de um país também amigo e aliado, provocou um incómodo muito raro no país, ao que se diz até nas hostes da maioria. Este governo – e meço as palavras – consegue, dia após dia, surpreender-nos na sua capacidade de rebaixar a dignidade do Estado que circunstancialmente titula».

Ou, como ela própria afirma: “Não sugeri a alteração de uma única vírgula”… Expresso.

Ninguém, que eu saiba, acusou Maria Luís Albuquerque de sugerir alteração de vírgulas. Não é a alteração simples do texto que está em causa. É, de entre outras coisas, o facto de bastante antes da conferência de imprensa dada por Yanis Varoufakis (que teve início pelas 20:45, hora de Lisboa), já a SKAY TV grega ter referido as pressões exercidas pelos ministros das Finanças espanhol e português durante a reunião do Eurogrupo (citada em The Guardian, às 19:31). E é a própria imprensa alemã a noticiar que MLA terá discutido a questão previamente com Schäuble.

Deveras, MLA disse (ou terá dito) a verdade – não sugeriu a alteração de uma única vírgula. Pois não… Limitou-se a rebaixar a dignidade do Estado que circunstancialmente titula. Não mentiu, camuflou a verdade. Com a verdade, tenta (ainda, apesar do descrédito) enganar-nos.

Situações deste género, confrontadas com as do Primeiro-ministro, do Vice-primeiro-ministro, do Ministro dos Negócios Estrangeiros, do Ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, sobre o “problema grego” indiciam uma permanente manipulação da verdade e a tentativa de ridicularizar-nos cada vez mais.

Resta-nos a consolação de nos estarmos a aproximar do fim deste pesadelo. Espero que até ao princípio do próximo ano Portugal recuperemos a sua dignidade.


quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

SE AGRADA AOS PODEROSOS É BOM




O governo português, principalmente através do seu primeiro-ministro, insiste em colar-se aos poderosos (principalmente se estes têm carácter de dominadores); não o faz para se afirmar como um par entre iguais, mas tão só para ser notado na relação que tem para com eles – servi-los.

O PM-PPC tem-se oposto, de uma forma quase histérica, á hipótese de renegociação da dívida grega. Entende ser uma questão de princípios, de que ele é o eminente guardião… Mais, afirma que o negociado tem de ser cumprido, custe o que custar…

Não quero continuar a caracterizar o Sr. PM, já sobejamente conhecido pelos seus “ditos aleatórios”. Contudo, não posso deixar de questionar uma contradição tão evidente e imediata (nem sequer dá tempo para pensar…):

- Colher autorização dos seus parceiros negociais para antecipar o pagamento de dívida não é negociar…?

Quando se pretende adiar o pagamento da dívida é “negócio inadmissível”…! Se, pelo contrário, se deseja não pagar tanto (em juros) pela dívida contraída, colhendo autorização para antecipar o pagamento, então é um “bom comportamento” e já não se chama renegociação.

Em suma, se está em linha com um parceiro (par entre iguais) poderoso – pode fazê-lo. Se, pelo contrário (embora continue a ser um par entre iguais), está em oposição ao parceiro poderoso – é-lhe impedido.

Começo a estar farto dos burocratas da Europa, muitos deles impreparados para desempenharem as funções em que foram investidos. E não sou o único:

Um grupo de 300 economistas de instituições como Cambridge, Columbia, a Universidade Complutense (Madrid) ou a Escola Superior de Estudos Sociais (Paris) assinou um manifesto contundente contra as políticas e as soluções empregues pela UE na Grécia. O documento, baptizado “Estamos com a Grécia e com a Europa”, começa com um apelo às autoridades europeias que negoceiem com “boa-fé” com aquele estado-membro e a “respeitar a decisão do povo grego de escolher outra via” para solucionar a crise da dívida do país.

O manifesto dá razão ao governo grego, pode ler-se, “porque as políticas europeias aplicadas até agora são um fiasco total e não trouxeram nem recuperação económica, nem estabilidade financeira, nem empregos, nem sequer investimento estrangeiro directo”, contrariando, por isso, todas as medidas dos pacotes de auxílio.

Longe vai o tempo em que se tentou construir uma Europa Unida…!


sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

ESPARTA NÃO SE RENDEU A XERXES. E NÃO SE RENDERÁ A BERLIM


Não posso deixar de transcrever:


“O leitor lembra-se da primeira viagem que François Hollande fez após tomar posse? E qual foi a primeira viagem que Passos Coelho fez depois de tomar posse (embora antes já tivesse feito algumas para o mesmo destino)? Pois, foram as duas a Berlim para colocar a chanceler Angela Merkel a par dos seus planos. E ainda se lembram do ex-ministro português das Finanças, Vítor Gaspar, a pedir delicadamente ajuda ao seu homólogo alemão, Wolfgang Schauble, com este a dizer-lhe displicentemente que depois de haver resultados se veria? Pois, os gregos não fizeram nada disso e vieram lembrar-nos que a ordem natural das coisas na Europa é outra.

O poder na União Europeia está hoje em Berlim. Melhor: está em Angela Merkel e Wolfgang Schauble e, depois deles, em todas as suas correias de transmissão, desde primeiros-ministros e governos submissos, a economistas, universitários, analistas e comentadores, cada qual mais fundamentalista que o anterior. Ora o primeiro-ministro e o ministro das Finanças gregos, Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis, fizeram algo tão simples como colocar no topo dos seus interlocutores europeus o Parlamento, a Comissão e os Estados membros sem discriminação. É algo tão natural que ninguém se devia surpreender. Mas como nos últimos anos os líderes fracos que governam a Europa (e o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, que ocupou o cargo durante uma década) deixaram que o eixo do poder se movesse para a Alemanha sem qualquer oposição, a decisão grega surge quase como uma afronta à ordem estabelecida.

Mas não. A ordem que existia até agora é que não é normal. A Europa foi construída como base na solidariedade e a igualdade entre os Estados membros e não como uma organização em que manda um e todos os outros obedecem. E por isso todos nós, europeus, temos de agradecer a Tsipras e a Varoufakis por estarem a devolver aos europeus o orgulho de pertencerem ao clube mais solidário e democrático do mundo.

A Europa dos falcões pode derrotar os gregos. Mas não sairá ilesa deste combate Temos de lhes agradecer igualmente que nos estejam a mostrar que há mais que um caminho para combater a crise e que não é possível continuar a insistir na austeridade, com os péssimos resultados sociais, económicos e em matéria de dívida externa que estão à vista de todos. Temos de lhes agradecer também que recusem receber ordens de estruturas não sufragadas eleitoralmente, como o Eurogrupo. E que recusem ainda mais ordens enviadas por e-mail.

Temos de lhes agradecer que se reúnam com ministros das Finanças dos países da zona euro e não tenham receio em discordar publicamente deles no final dos encontros. Temos de lhes agradecer que obriguem Wolfgang Schauble a dizer no final do encontro que «concordámos em discordar». Temos de lhes agradecer que não andem a negociar de mão estendida e de cerviz curvada. Temos de lhes agradecer que nos lembrem o que é a dignidade de um povo e o seu direito a escolher o seu destino e a ser respeitado por isso”.

Nicolau Santos (Jornal Expresso Sexta, 6 de Fevereiro de 2015)


quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

O À VONTADE DO SAUDOSO “CULTO DO CHEFE”?

  


Acabo de ouvir o ministro da Economia  comparar – no Parlamento – a privatização da TAP com o casamento entre pessoas do mesmo sexo ou a adopção por casais homossexuais. É demais! Incrível!



Pires de Lima confunde direitos humanos com negócios. Mas, atenção, não o fez num bar, sentado em frente de um copo de whisky (ou vários), rodeado de fiéis seguidores – aduladores da personificação do disparate que confundem ideologia e subserviência com os ideários alemães do passado. Não, não foi num bar, num café, numa tasca… Foi na casa da democracia – o Parlamento. Ou deverei considerar que a escolha do local para dizer tamanha aleivosia foi mesmo uma mal-intencionada provocação.

Quando se compara o terror sofrido por um povo a “histórias de crianças”, e essa comparação vem do insigne chefe do seu governo (insigne, neste caso, quero considerar como se fosse o radical de insignificante), admito que essa gente possa confundir o local de excelência que deveria ser o Parlamento, com qualquer local de lazer ou de… convívio…

Será que, passados quarenta anos de esperançosa utopia, tenhamos que ter de voltar a uma vivência idêntica à dos anteriores quarenta e oito anos…?

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

AS RELIGIÕES E O TERRORISMO




Os principais conflitos do final do século XX e dos inícios do novo milénio possuem um transfundo religioso. Assim, na Irlanda, no Kosovo, em Cachemira, no Afeganistão, no Iraque e no novo Estado Islâmico, extremamente violento. Ficou claro em Paris com o assassinato dos cartunistas e outras pessoas por fundamentalistas islâmicos. Como nisso entra a religião?

Não sem razão escreveu Samiuel P. Huntington em seu conhecido livro O choque de civilizações: “No mundo moderno, a religião é uma força central, talvez a força central que motiva e mobiliza as pessoas….O que em última análise conta para as pessoas não é a ideologia política nem o interesse económico; mas aquilo com que as pessoas se identificam são as convicções religiosas, a família e os credos. É por estas coisas que elas combatem e até estão dispostas a dar a sua vida” (1997, p.79). Ele critica a política externa norte-americana por nunca ter dado o devido peso ao factor religioso, considerado algo passado e ultrapassado. Ledo engano. É o substrato dos mais graves conflitos que estamos vivendo.

Quer queiramos ou não, e não obstante o processo de secularização e o eclipse do sagrado, grande parte da humanidade orienta-se pela cosmovisão religiosa judaica, cristã, islâmica, xintoísta, budista e outras.

Como já afirmava Christopher Dawson (1889-1970), o grande historiador inglês das culturas: “as grandes religiões são os alicerces sobre as quais repousam as civilizações”(Dynamics of World History,1957,p.128). As religiões são o “point d’honneur” de uma cultura, pois através dela projecta os seus grandes sonhos, elabora os seus ditames éticos, confere um sentido à história e tem uma palavra a dizer sobre os fins últimos da vida e do universo. Somente a cultura moderna não produziu religião nenhuma. Encontrou substitutos com funções idolátricas, como a Razão, o progresso sem fim, o consumo ilimitado, acumulação sem limites e outros. A consequência foi denunciada por Nietzsche que proclamou a morte de Deus. Não que Deus tenha morrido, pois não seria Deus. É o facto de que os homens mataram Deus. Com isso queria significar que Deus não é mais ponto de referência para valores fundamentais, para uma coesão por cima entre os humanos. Os efeitos estamo-los a viver num nível planetário: uma humanidade sem rumo, uma solidão atroz e o sentimento de desenraizamento, sem saber para onde a história nos leva.

Se quisermos ter paz neste mundo precisamos resgatar o sentimento do sagrado, a dimensão espiritual da vida que estão nas origens das religiões. Na verdade, mais importante que as religiões é a espiritualidade que se apresenta como a dimensão do humano profundo. Mas a espiritualidade exterioriza-se sob a forma de religiões, cujo sentido é alimentar, sustentar e impregnar a vida de espiritualidade. Nem sempre o realiza porque quase todas as religiões, ao institucionalizarem-se, entram no jogo do poder, das hierarquias e podem assumir formas patológicas. Tudo o que é sadio pode ficar doente. Mas é pelo “sadio” que medimos as religiões, bem como as pessoas e não pelo “patológico”. E aí vemos que elas preenchem uma função insubstituível: a tentativa de dar um sentido último à vida e oferecer um quadro esperançoso da história.

Ocorre que hoje o fundamentalismo e o terrorismo, que são patologias religiosas, ganharam relevância. Em grande parte deve-se ao devastador processo de globalização (na verdade é ocidentalização do mundo) que passa por cima das diferenças, destrói identidades e impõe-lhes hábitos estranhos.

Geralmente, quando isso ocorre, os povos agarram-se àquelas instâncias que são os guardiães de sua identidade. É nas religiões que guardam as suas memórias e os seus melhores símbolos. Ao sentirem-se invadidos como no Iraque e no Afeganistão, com milhares de vítimas, refugiam-se em suas religiões como forma de resistência. Então a questão não é tanto religiosa. Ela é antes política que se serve da religião para se autodefender. A invasão gera raiva e vontade de vingança. O fundamentalismo e o terrorismo encontram nesse complexo de questões o seu nicho de origem. Daí os atentados do terror.

Como superar este impasse civilizacional? Fundamental é viver a ética da hospitalidade, dispor-se a dialogar e aprender com o diferente, viver a tolerância activa, sentir-se humano.

As religiões precisam reconhecer-se mutuamente, entrar em diálogo e buscar convergências mínimas que lhes permitem conviver pacificamente.

Antes de mais nada importa reconhecer o pluralismo religioso, de facto e de direito. A pluralidade deriva de uma correcta compreensão de Deus. Nenhuma religião pode pretender enquadrar o Mistério, a Fonte originária de todo ser ou qualquer nome que quisermos dar à Suprema Realidade, nas malhas de seu discurso e de seus ritos. Se assim fora, Deus seria um pedaço do mundo, na realidade, um ídolo. Ele está sempre mais além e sempre mais acima. Então, há espaço para outras expressões e outras formas de celebrá-lo que não seja exclusivamente através desta religião concreta.

Os onze primeiros capítulos do Génesis encerram uma grande lição. Neles não se fala de Israel como povo escolhido. Refere-se aos povos da Terra, todos como povos de Deus. Sobre eles paira o arco-íris da aliança divina. Esta mensagem recorda-nos ainda hoje que todos os povos, com as suas religiões e tradições, são povos de Deus, todos vivem na Terra, jardim de Deus e que formam a única Espécie Humana composta de muitas famílias com suas tradições, culturas e religiões.
Leonardo Boff [1]



terça-feira, 20 de janeiro de 2015

A PROPÓSITO DE PARIS



A propósito de Paris, escreve o Prof José Luís Cabaço[1]:

"Neste momento, o assassinato das doze pessoas e, em particular, dos jornalistas/artistas na sede do periódico satírico Charlie Hebdo, está-se perfilando como um novo, mini 11 de Setembro. Chovem de todo o lado mensagens de indignação, de condolências, de solidariedade, de condenação... Também eu estou indignado. Estou indignado por cada pessoa que morre no mundo da forma como morreram estes últimos. Sou solidário e feroz defensor da liberdade de expressão.

Triste porque alguns dos caricaturistas de Charlie Hebdo (particularmente Wolinski que conheci em Argel há “um século”) me apaixonavam e acompanharam com a sua feroz e dessacralizante sátira toda a minha adolescência e a minha vontade de então (e ainda de hoje) de mandar todo o mundo f.....-se.

Mas, por muito que me custe, não escreverei que sou Charlie Hebdo. Não meterei nenhuma bandeira negra no meu perfil no Facebook, nem quaisquer post com desenho de Charb nem sequer de Wolinski de quem tanto gosto... Se tiverem tempo de ler o meu longo raciocínio, explicarei porquê.


Charlie Hebdo nasce em 1992 mas a equipa que o funda vem de uma longa história de jornais de sátira libertária. Aquele que se pode considerar como o antepassado de Charlie é “Hara-kiri” onde trabalhavam já vários membros da actual redacção.

Hara-kiri satirizava os poderosos, De Gaulle, o exército, a igreja e foi fechado por várias vezes para reabrir sob diferentes formas e títulos.

Era divertido, dessacralizante, por vezes feroz. Mas tinha aquele sabor de liberdade da época.

Hoje, Charlie Hebdo mudou. Ainda o compramos, de vez em quando, porque tem um nome. Mas o seu público já não é o operário ou o estudante sem dinheiro, mas a “esquerda-caviar” da Paris bem.

Nos últimos anos foi assumindo uma linha editorial abertamente islamofóbica. Não se trata de visar, de vez em quando, uma religião. Isso, fê-lo sempre mesmo com a igreja católica. O problema não é esse. Se satirizasse os muçulmanos, o islão, o profeta, deus ou qualquer outra personagem ou símbolo sagrado não veria nisso, pessoalmente, nada de errado.

Mas as numerosas campanhas de Carlie Hebdo contra os muçulmanos, o islão, os símbolos sagrados desta religião tinham um sabor de insistente.

Fazia parte de uma certa cultura muito difusa nos ambientes que no passado tinham sido de esquerda e que hoje são só cínicos.

Ambientes que decidiram definitivamente estar do lado dos fortes e que não têm mais nenhuma batalha verdadeira a levar a cabo.

Uma ex-esquerda que se rendeu, de mãos e pés atados, à lógica do mercado, ao domínio dos bancos e, ultimamente, também à retórica do conflito de civilizações. Uma ex-esquerda que considera que o integralismo islâmico é o único e último perigo que ameaça a humanidade.

Uma ex-esquerda que já não tem sonhos nem projectos e que se contenta em olhar o mundo do alto da sua presumida superioridade cultural.

Mas não é por isso que não porei luto pelos mortos de Charlie Hebdo.

Não reconheço a quem quer que seja o direito de matar ninguém em nome de nada e ainda menos em nome de uma divergência de opiniões.

As minhas razões são outras.

O ataque à redacção do jornal satírico ocorre num momento particular. Ainda há um ano não se falava de integralismo.

O tema tinha quase desaparecido das primeiras páginas.

E se se viam imagens de barbudos em armas nas estradas de Trípoli o de Aleppo, eles eram chamados “Revolucionários”.

E cantavam-se loas a estes bravos rapazes. Lia-se em toda a parte que os bravos rapazes recebiam ajuda de todas as partes.

Lia-se um pouco menos que os bravos rapazes tinham tomado o controlo de várias unidades de extracção de petróleo e que a Turquia, um estado membro da Nato, lhes comprava tranquilamente. Lia-se ainda menos que, para além das ajudas e dos milhares de jovens vindos de todo o mundo em apoio a estes bravos rapazes, estavam também conselheiros militares que ensinavam os bravos rapazes a combater...

Depois, de repente, tudo muda.

Voltam a chamar-lhe terrorismo, e a morte de membros das minorias até então silenciadas vêm à luz.

Os serviços secretos de todos os países da Nato (e seus numerosos aliados) fazem de contas que caem das nuvens descobrindo que milhares de jovens partiram de suas cidades para reforçar os “revolucionários”.

Aparentemente não sabiam de nada. E nós a escandalizarmo-nos juntamente com eles.
Já há décadas que este joguinho era jogado.

As redes que hoje se chamam Al-Qaeda e depois Isis, Boko Haram e companhia foram organizados em plena guerra fria numa perspectiva anti-soviética.

Os países do Golfo Pérsico, em colaboração com a Nato, fizeram um trabalho de montagem financeira, propagandística e organizativa para favorecer o afluxo de combatentes de toda a parte.

Al-Qaeda era o principal aliado da Nato e obviamente dos países do Golfo nos anos noventa. Depois, pouco a pouco, resvala para a área da ilegalidade.

A guerra fria estava terminando e Samuel P. Huntington pré-anunciava um novo conflito baptizando-o de “conflito de civilizações”.

Entretanto chega a guerra da Argélia. Centenas de jovens regressados do Afeganistão contribuem para formar os primeiros núcleos de Grupos que, com o exército argelino (que também ele não estava para brincadeiras) fazem passar o país por duas décadas infernais.
Simultaneamente, nas mesquitas de londrinas, mas também nas francesas, italianas, alemãs, indivíduos pouco recomendáveis predicavam a luta armada na Argélia e recolhiam dinheiro proporcionando negócios fabulosos à indústria de armamento.

A Argélia estava saindo de uma era socialista e necessitava de um pequeno empurrão para privatizar os seus enormes recursos energéticos.

E como por milagre, após cada concessão assinada com uma multinacional, encerrava-se uma rede de apoio ao integralismo armado.

Quando finalmente as multinacionais tomaram o controlo do petróleo argelino, as redes tornaram-se terroristas e foram totalmente desmanteladas.

Pelo menos assim disse a imprensa livre de todo o mundo livre.

Em 2001 aconteceu o 11 de Setembro e, com ele, uma verdadeira histeria. Quem não tinha terroristas islâmicos para prender, inventava-os.

Todos queriam ter a sua ameaça e os seus mini-ataques.

Nunca foi totalmente esclarecido por quem, por quê e como foram perpetrados daquele dia, mas não faltavam justificações para as novas políticas de controle militar da área do médio oriente desejadas pelos Neo-cons, os neo-conservadores americanos.

Já lá vão 14 anos que decorre a sua war on terror que apenas produziu cada vez mais terror e cada vez mais novas wars.

Os Neo-cons vão-se e chega Obama, que diz querer retirar as tropas e vai ao Cairo onde faz um longo e forte discurso no qual diz que estende a sua mão para ajudar na criação de um “Novo Médio-oriente”. Pouco depois daquele discurso as praças árabes começam a agitar-se.

O mundo descobre que no mundo árabe não existem só militares bigodudos e rebeldes barbudos. No meio, há povos com muitas nuances que, ao fim e ao cabo, aspiram às mesmas coisas que todos os outros povos: dignidade, liberdade, bem-estar...

Os islamitas estão ausentes das praças ou quase. De qualquer forma, não lhes pertence a iniciativa. Às vezes seguem o movimento.

Por vezes retiram-se. O tom é dado pelos jovens laicos, cultos e amantes da liberdade e dos direitos humanos.

Isso não agrada a todos, ao que parece.

Já em Maio de 2011, os serviços secretos russos (geralmente bem informados por aquilo que sei) alertavam sobre a iminente reconstrução de redes integralistas internacionais sob o comando do especialista saudita no assunto: o príncipe Bandar Assudairi Ben Saud, promotor de vários grupos e de várias guerrilhas islâmicas no mundo.

O objectivo era o de recolocar o islamismo político na liderança das revoltas.

Essa informação foi retomada apenas pela rede Voltaire, oficialmente classificada como subversiva, e todos fizeram de conta que nada existia.

Hoje, tudo o que foi previsto naquele alerta se verificou, e muito mais.

Na Líbia, um comandante “ex” Al-Qaeda liderando um exército armado pelo Qatar e Arábia Saudita e treinado pela CIA toma a cidade de Trípoli que as milícias tribais não conseguiam conquistar e o país torna-se uma espécie de território libertado por grupos armados de todos os tipos.

No Iémen, a Arábia Saudita reinstala o velho regime, mas estranhamente grupos armados despontam em toda a parte como cogumelos.

No Egipto e na Tunísia os irmãos muçulmanos são levados ao poder num tapete de petrodólares. Da Síria nem falemos... O resto da história é bem conhecida.

Entretanto no ocidente as mesquitas (não todas felizmente, mas as mais extremistas e que seriam em teoria também as mais vigiadas pelos serviços secretos) voltam a ser locais de recolha de fundos e de recrutamento.

Se amanhã um juiz investiga com demasiado rigor o porquê, pode ocorrer um novo caso Abu Omar.

E agora, finalmente, de há menos de um ano para cá, todos a gritar o perigo. Que jogo é este? Alguém pode explicar?

Já há mais de 30 anos que os serviços secretos de todo o mundo brincam com o fogo com os grupos integralistas. São controlados, são infiltrados, são insuflados quando servem e esvaziados quando deixam de servir.

De resto, é o mesmo que se tem feito e continua a fazer com os grupos extremistas de direita e de esquerda desde a segunda guerra mundial.

Quem se recorda da sigla “Stay Behind” e dos falsos atentados (mas com mortos verdadeiros) por toda a Europa sabe do que estou falando.

Hoje é preciso fazer subir a aposta em jogo.

A crise pede guerra. As novas guerras pelo controlo do Médio Oriente precisam de legitimidade.

A crise desacreditou toda a classe política europeia e só o crescimento dos extremismos de direita pode levar as gentes e voltar a votá-los.

Não gostas do Renzi mas como o perigo é Salvini (porque será que ele está sempre na TV?) então vais e votas Renzi.

Por outro lado, também as redes do integralismo armado precisam de fazer aumentar o nível da tensão.

Quem vive de violência e para a violência precisa da tensão como de oxigénio. Eles vivem na mesma lógica.

E agora, cometido o delito, todos os fascistóides que gostariam de ter feito explodir a cabeça ao grupo Charlie Hebdo pelas suas velhas posições antifascistas ou pelas suas posições sobre a homossexualidade e outros temas do género, todos eles já publicaram mensagens de condolências e choram lágrimas de crocodilo sobre esta Europa que queriam livre, mas que é ameaçada pelos muçulmanos, pelos africanos, pelos asiáticos, portadores de valores antidemocráticos !!!!!!

E nos set televisivos já começaram a recolher os frutos deste verdadeiro maná político que lhes foi servido num prato de … chumbo.

É para não fazer parte deste gigantesco teatrinho das emoções encomendadas, das indignações selectivas, da solidariedade de fachada, das amnésias colectivas e da hipocrisia generalizada que me recuso a içar a bandeira negra, nem escreverei “Eu sou Charlie”.

Eu não sou Charlie. Fui Charlie quando era criança, quando também Charlie era Charlie. Hoje já não o somos, nem ele nem eu.

Hoje Charlie já não faz rir ninguém e a mim vem vontade de chorar, chorar só, isolado.

Tenho vontade de chorar, mas não só por Wolinski e pelos seus colegas.

Vem-me vontade de chorar por todos os mortos desta história sórdida.

Chorar pelas centenas de milhar de mortos durante a guerra suja na Argélia, pelos amigos que ali perdi.

Chorar elas vítimas do World Trade Center, pelo meio milhão de iraquianos, as centenas de milhar de afegãos, paquistaneses, pelas dezenas de milhar de líbios, de iemenitas, de palestinos, pelas centenas de milhar de pessoas mortas na Síria, tudo parte de uma trágica farsa chamada “conflito de civilizações”.




[1] Ex-Ministro de Transportes de Moçambique. Texto publicado no seu facebook sobre a questão de Paris...

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

CONCORDO






Estou plenamente de acordo e repudio as críticas “básicas e primárias” feitas a Ana Gomes por parte de quem, de repente, passou a conhecer todos os fenómenos sociais da Europa, só porque, inesperadamente, se sentiram inspirados no holocausto do “Charlie Hebdo”…




Respeitando a liberdade de expressão e de imprensa, e considerando que é um dos objectivos actuais da civilização ocidental – de que nós, portugueses, fomos percursores na nossa história –, em especial na dos descobrimentos [até D. Manuel I, pois desde aí “contagiámo-nos”, pela sabujice (inicialmente, a ganância de D. Manuel querer ser Imperador e, para tal ter que agradar aos reis de Espanha e culminando no fanatismo religioso de D. João III) com outros modos de ver e sentir os Judeus e os Muçulmanos], revejo-me inteiramente neste segundo tweet de Ana Gomes.




Por último, é de elementar bom senso cativar os muçulmanos e solidarizarmo-nos com eles para combater os fundamentalismos que destroem a humanidade; necessitamos da sua colaboração, como diz Ana Gomes, para que denunciem os fanáticos jihadistas “como anti-Islão”. Então, para quê ofender o que lhes é mais querido – a imagem do Profeta.



Posso não concordar em algumas coisas com Ana Gomes, mas nestas estou plenamente de acordo – Concordo!



segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

O REGRESSO AO ARCAICO, NA JUSTIÇA




No Público, do dia 9 de Janeiro, sexta-feira, na página 15, e da autoria de Pedro Sales Dias pode ler-se que « […] a ministra [da Justiça] ‘remeteu’ um relatório do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ) sobre as falhas no Citius para a Procuradoria-Geral da República sugerindo um inquérito por, entre outros, o crime de sabotagem informática. Mas, no relatório não é mencionada a sabotagem. Um dos responsáveis do IGFEJ, Carlos Brito, disse até ao Ministério Público que é “improvável que tenha havido sabotagem”.

Os técnicos foram ilibados em Novembro e não avançaram até agora com a queixa [contra a Ministra] porque, adiantou a jurista [advogada dos técnicos afastados], esperaram que se esgotassem os prazos judiciais de reacção por parte da tutela que convidou recentemente o presidente do IGFEJ, Rui Pereira, e o vogal da sua direcção, Carlos Brito, a demitirem-se. Estes recusaram e deverão ser exonerados. Rui Pereira não quis reagir. O Público também tentou, sem sucesso, falar com o secretário de Estado da Justiça, António Costa Moura, que tem a tutela do IGFEJ. Foram precisamente Rui Pereira e Carlos Brito que assinaram o relatório sobre as falhas no Citius que responsabilizava Hugo Tavares e Paulo Queirós».


O Professor Catedrático Jubilado (FCSH-UNL) Mário Vieira de Carvalho, no Debate Processo Judicial, no mesmo Jornal, mas no dia 12 de Janeiro esclarece que « […] o Direito firma-se na religião. Ou então firma-se numa estrutura e num discurso de legitimação em tudo análogos aos da religião. Como nos processos de Moscovo do final da década de 30: “À maneira do direito arcaico, é julgada a pessoa e não o acto, a perigosidade potencial da pessoa e não a sua maldade real.

Para que serve então, nessas circunstâncias, o processo judicial? Para “demonstrar um crime que se ignora, oculto por detrás da consciência do acusado”. Bastam a coesão do grupo e o fundo religioso ou ideológico para fundamentar a sentença. A “verdade” impõe-se por si só. Não carece de demonstração. Não carece de prova. Em vez da submissão à prova, privilegia-se a confissão ou a “autocrítica”: aquela enfraqueceria, estas reforçam a ordem totalitária. O show é imanente ao processo.

O regresso ao arcaico, no Direito, não ocorre hoje apenas em países islâmicos. Manifesta-se também, e mais universalmente, na transferência da soberania para os centros de poder financeiro. Os mercados tomaram o lugar do “Príncipe” ou do “Ditador”. Por um lado, ditam a suspensão do Direito ou “estado de excepção”, como compete ao poder soberano (Fernando Gil aborda largamente o conceito, inclusive discutindo a Teologia Política de Carl Schmitt). Por outro lado, promovem, como nunca antes, a disseminação do “pensamento único” numa esfera pública “refeudalizada” (Habermas).

Tais contornos totalitários deveriam ser tidos em conta na discussão do aparente regresso a uma arcaica “dispensa da prova”, na sua variante mais actual e refinada: a inversão objectiva do ónus da prova enquanto efeito automático e irreversível da gestão mediática dos processos judiciais – do carácter de show que os próprios agentes judiciários lhes conferem».


Para culminar, embora sobre este acontecimento não queira fazer um Juízo de Valor, mas tão-só, uma simples narração duma ocorrência, contada hoje na SIC, no programa “queridas manhãs”:

Um empresário, cansado de ver assaltado frequentemente um armazém de sua propriedade resolveu criar uma armadilha que afectasse o assaltante.

Se bem o pensou, melhor o fez…

Assim, de facto, conseguiu apanhar o assaltante. Porém, a par da sua queixa e participação da ocorrência, junto da entidade policial respectiva, viu-se confrontado com uma queixa contra ele, por parte do assaltante.

O assaltante viu, prontamente, alcançada a sua pretensão: ser indemnizado pelos prejuízos causados pela armadilha montada pela vítima; mesmo assim irá recorrer por – pasmem! – a indemnização ser só de € 37 000,00 (trinta e sete mil euros). A vítima dos frequentes assaltos – esse – foi condenada a cinco anos de pena suspensa.

Uma pergunta aflora-se no meu espírito, com a frequência e a força de um martelo pneumático: Para onde caminha a Justiça, em Portugal?


Que mais nos poderá acontecer?