sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

ESPARTA NÃO SE RENDEU A XERXES. E NÃO SE RENDERÁ A BERLIM


Não posso deixar de transcrever:


“O leitor lembra-se da primeira viagem que François Hollande fez após tomar posse? E qual foi a primeira viagem que Passos Coelho fez depois de tomar posse (embora antes já tivesse feito algumas para o mesmo destino)? Pois, foram as duas a Berlim para colocar a chanceler Angela Merkel a par dos seus planos. E ainda se lembram do ex-ministro português das Finanças, Vítor Gaspar, a pedir delicadamente ajuda ao seu homólogo alemão, Wolfgang Schauble, com este a dizer-lhe displicentemente que depois de haver resultados se veria? Pois, os gregos não fizeram nada disso e vieram lembrar-nos que a ordem natural das coisas na Europa é outra.

O poder na União Europeia está hoje em Berlim. Melhor: está em Angela Merkel e Wolfgang Schauble e, depois deles, em todas as suas correias de transmissão, desde primeiros-ministros e governos submissos, a economistas, universitários, analistas e comentadores, cada qual mais fundamentalista que o anterior. Ora o primeiro-ministro e o ministro das Finanças gregos, Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis, fizeram algo tão simples como colocar no topo dos seus interlocutores europeus o Parlamento, a Comissão e os Estados membros sem discriminação. É algo tão natural que ninguém se devia surpreender. Mas como nos últimos anos os líderes fracos que governam a Europa (e o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, que ocupou o cargo durante uma década) deixaram que o eixo do poder se movesse para a Alemanha sem qualquer oposição, a decisão grega surge quase como uma afronta à ordem estabelecida.

Mas não. A ordem que existia até agora é que não é normal. A Europa foi construída como base na solidariedade e a igualdade entre os Estados membros e não como uma organização em que manda um e todos os outros obedecem. E por isso todos nós, europeus, temos de agradecer a Tsipras e a Varoufakis por estarem a devolver aos europeus o orgulho de pertencerem ao clube mais solidário e democrático do mundo.

A Europa dos falcões pode derrotar os gregos. Mas não sairá ilesa deste combate Temos de lhes agradecer igualmente que nos estejam a mostrar que há mais que um caminho para combater a crise e que não é possível continuar a insistir na austeridade, com os péssimos resultados sociais, económicos e em matéria de dívida externa que estão à vista de todos. Temos de lhes agradecer também que recusem receber ordens de estruturas não sufragadas eleitoralmente, como o Eurogrupo. E que recusem ainda mais ordens enviadas por e-mail.

Temos de lhes agradecer que se reúnam com ministros das Finanças dos países da zona euro e não tenham receio em discordar publicamente deles no final dos encontros. Temos de lhes agradecer que obriguem Wolfgang Schauble a dizer no final do encontro que «concordámos em discordar». Temos de lhes agradecer que não andem a negociar de mão estendida e de cerviz curvada. Temos de lhes agradecer que nos lembrem o que é a dignidade de um povo e o seu direito a escolher o seu destino e a ser respeitado por isso”.

Nicolau Santos (Jornal Expresso Sexta, 6 de Fevereiro de 2015)


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