quinta-feira, 27 de novembro de 2014

HÁ CINCO DIAS FORA DO MUNDO




O ex-primeiro-ministro, José Sócrates, ditou uma carta ao seu advogado, João Araújo, que foi divulgada esta quarta-feira à noite pela TSF e pelo Público.

Tal como José Sócrates, considero que as "fugas" de informação são crime. E, também, não espero que os jornais, a quem elas aproveitam e ocupam, denunciem o crime e o quanto ele põe em causa os ditames da lealdade processual e os princípios do processo justo.


Eis a carta:

«Há cinco dias "fora do mundo", tomo agora consciência de que, como é habitual, as imputações e as "circunstâncias" devidamente seleccionadas contra mim pela acusação ocupam os jornais e as televisões. Essas "fugas" de informação são crime. Contra a Justiça, é certo; mas também contra mim.

Não espero que os jornais, a quem elas aproveitam e ocupam, denunciem o crime e o quanto ele põe em causa os ditames da lealdade processual e os princípios do processo justo.

Por isso, será em legítima defesa que irei, conforme for entendendo, desmentir as falsidades lançadas sobre mim e responsabilizar os que as engendraram.

A minha detenção para interrogatório foi um abuso e o espectáculo montado, em torno dela, uma infâmia; as imputações que me são dirigidas são absurdas, injustas e infundamentadas; a decisão de me colocar em prisão preventiva é injustificada e constitui uma humilhação gratuita.

Aqui está toda uma lição de vida: aqui está o verdadeiro poder – de prender e de libertar. Mas, em contrapartida, não raro a prepotência atraiçoa o prepotente.

Defender-me-ei com as armas do Estado de Direito – são as únicas em que acredito. Este é um caso da Justiça e é com a Justiça Democrática que será resolvido.

Não tenho dúvidas que este caso tem, também, contornos políticos e sensibilizam-me as manifestações de solidariedade de tantos camaradas e amigos. Mas quero o que for político à margem deste debate. Este processo é comigo e só comigo. Qualquer envolvimento do Partido Socialista só me prejudicaria, prejudicaria o Partido e prejudicaria a Democracia.

Este processo só agora começou.

Évora, 26 de Novembro de 2014

José Sócrates»

* Sublinhados da minha responsabilidade



quarta-feira, 12 de novembro de 2014

RESPONSABILIDADES


Tal como nos casos Citius, colocação de professores, reforma administrativa, manipulação dos dados do desemprego, etc. há responsáveis; só que ninguém os vê ou, quem os vê, não arrisca a denunciá-los – desinteressaram-se, estão cansados, custa-lhes a acreditar que foram enganados por aqueles em quem votaram…

O jornal O Público, de ontem, dia 11 de Novembro, na sua versão impressa trazia este pequeno artigo que se segue, do Ricardo Garcia, que dá para pensar sobre as prioridades do governo – o povo ou os mercados…?




segunda-feira, 10 de novembro de 2014

PERDEM-SE TANTAS OPORTUNIDADES DE CONTINUAR CALADO





Talvez já cansado ou, quiçá, desgastado pela idade e pelo longo desempenho na política portuguesa (embora “nunca tenha sido político”), o Dr. Cavaco Silva (professor de Economia) questionava-se: “O que é que andaram a fazer os accionistas e os gestores” da PT?

Sinto-me constrangido na obrigação caridosa e moral de esclarecer o tão abnegado e altruísta senhor:

– Embora não pareça, relembro-lhe que são os mesmos que os últimos tempos protegeu e condecorou, sem tempo para valorizar quem, de facto, o mereceu, como por exemplo José Saramago (Prémio Nobel da Literatura), Carlos do Carmo (Grammy da música portuguesa), etc.

Dá para perceber…?

Mais uma oportunidade perdida…!



quarta-feira, 5 de novembro de 2014

O PAPA FRANCISCO e OS MOVIMENTOS SOCIAIS POPULARES CRITICAM O CAPITALISMO

 


O Conselho Pontifício Justiça e Paz (Santa Sé) promoveu, entre o dia 27 e 29 de Outubro p.p., o primeiro ‘Encontro Mundial de Movimentos Populares’, em colaboração com a Academia Pontifícia das Ciências Sociais.

O evento reuniu trabalhadores precários e da economia informal, migrantes, indígenas, sem-terra e representantes de zonas periféricas, que foram recebidos pelo Papa no dia 28.
João Pedro Stedile é um dos principais líderes do Movimento dos Sem Terra (MST) que envolve cerca de 1,5 milhões de membros que buscam terra para morar e trabalhar.

O MST é suprapartidário e zela pela sua “absoluta autonomia” face a qualquer tipo de poder; basta dizer que somente na segunda volta das recentes eleições no Brasil, apoiou Dilma Rousseff. Essa autonomia permite-lhe apoiar o projecto popular do PT mas simultaneamente faz-lhe duras críticas com referência à política agrária e, continuamente, exige uma reforma agrária integral sempre protelada.

João Pedro articulou com outros o Encontro Mundial dos Movimentos Populares com o Papa em Roma nos fins de Outubro. Nos debates, o Papa Francisco quis saber a partir da leitura que fazem de seus padecimentos, as causas que produzem miséria e morte em milhões de pessoas. Não chamou cientistas sociais ou políticos, mas quis saber a partir da voz deles as causas desta situação desumana que os obriga a organizarem-se para poderem sobreviver e avançar nos seus direitos. O Papa Francisco deu-lhes total apoio nas questões fundamentais da crítica ao capitalismo desumano que chegou a chamar de “diabo”, da justiça social, do acesso à terra contra a sua concentração e da legitimidade das ocupações feitas em função da vida e do trabalho. João Pedro deu uma longa entrevista no dia 31/10/2014 ao jornal Il fatto quotidiano que foi traduzida e reproduzida pelo Instituto Humanistas Unisinos (IHU) dos jesuítas de São Leopoldo. Pelo fato de os meios de comunicação não terem feito grande (ou pequena) divulgação sobre o evento de tamanha relevância (é a primeira vez na história que um Papa que ama os pobres, se reuniu com os movimentos sociais populares do mundo inteiro tão mal compreendidos e até difamados nas suas demandas), publicamos aqui a entrevista de João Pedro Stedile.

Eis a entrevista.

– Como nasceu o encontro no Vaticano?
Tivemos a sorte de manter relações com os movimentos sociais da Argentina, amigos de Francisco, com os quais começamos a trabalhar no encontro mundial. Assim, reunimos 100 dirigentes populares de todo o mundo, sem confissões religiosas. A maioria não era católica. Um encontro muito proveitoso.

– O senhor é de formação marxista. Qual a sua opinião sobre o papa e a iniciativa vaticana?
O papa deu uma grande contribuição, com um documento irrepreensível, mais à esquerda do que muitos de nós. Porque afirmou questões de princípio importantes como a reforma agrária, que não é só um problema económico e político, mas também moral. De fato, ele condenou a grande propriedade. O importante é a simbologia: em 2.000 anos, nenhum papa jamais organizou uma reunião desse tipo com movimentos sociais.

– O senhor foi um dos promotores dos Fóruns Sociais nascidos em Porto Alegre. Há uma substituição simbólica por parte do Vaticano em relação à esquerda?
Não, acho que Francisco teve a capacidade de se colocar correctamente diante dos grandes problemas do capitalismo actual como a guerra, a ecologia, o trabalho, a alimentação. E ele tem o mérito de ter iniciado um diálogo com os movimentos sociais. Eu não acho que há sobreposição, mas complementaridade. Em todo caso, assumo a autocrítica, como promotor do Fórum Social, do seu esgotamento e da sua incapacidade de criar uma assembleia mundial dos movimentos sociais. Do encontro com Francisco, nascem duas iniciativas: formar um espaço de diálogo permanente com o Vaticano e, independentemente da Igreja, mas aproveitando a reunião de Roma, construir no futuro um espaço internacional dos movimentos do mundo.

– Para fazer o quê?
Para combater o capital financeiro, os bancos, as grandes multinacionais. Os “inimigos do povo” são esses. Como diria o papa, esse é o diabo. Mesmo que todos nós vivamos o inferno. Os pontos traçados do encontro de Roma são muito claros: a terra, para que os alimentos não sejam uma mercadoria, mas um direito; o direito de todos os povos de terem um território, seu próprio país, pense-se nos curdos de Kobane os nos palestinos; um tecto digno para todos; o trabalho como direito inalienável.

– Os Sem-Terra organizam cursos de formação sobre Gramsci e Rosa Luxemburgo. Nenhum problema para trabalhar com o Vaticano?
Nós vivemos uma crise epocal. As ideologias do segundo pós-guerra aprofundaram-se. As pessoas não se sentem mais representadas. No entanto, essa crise também oferece oportunidades de mudança, desde que ninguém se apresente com a solução pronta no bolso. Será preciso um processo, um movimento de participação popular. E qualquer pessoa disposta a participar dele deve ser incluída.

– No Brasil, vocês apoiaram a eleição de Dilma Rousseff. Qual é a sua opinião sobre o governo do PT e o seu futuro?
A autonomia, para nós, é um valor importante. O PT geriu o poder com uma linha de “neodesenvolvimento”, mais progressista do que o neoliberalismo, mas baseada num pacto de conciliação entre grandes bancos, capital financeiro e sectores sociais mais pobres. A operação de redistribuição da renda favoreceu a todos, mas principalmente os bancos. Agora, porém, esse pacto já não funciona, as expectativas populares cresceram. O ensino universitário, por exemplo, integrou 15% da população estudantil, mas os 85% que ficaram de fora pressionam para entrar. Só que, para responder a essa demanda, seria preciso ao menos 10% do PIB, e, para levantar recursos desse tamanho, romper- se-ia o pacto com as grandes empresas e os bancos.

– Então?
O governo tem três caminhos: unir-se novamente à grande burguesia brasileira, como lhe pede o PMDB, construir um novo pacto social com os movimentos populares ou não escolher e abrir uma longa fase de crise. Nós queremos desempenhar um papel e, por isso, propomos um referendo popular para uma Assembleia Constituinte para a reforma da política. A força do povo não está no Parlamento.

– Qual é a situação do Movimento dos Sem-Terra hoje?
A nossa ideia, no início, era a de realizar o sonho de todo agricultor do século XX: a terra para todos, bater o latifúndio. Mas o capitalismo mudou, a concentração da terra também significa concentração das tecnologias, da produção, das sementes. É inútil ocupar as terras se, depois, produzirem transgénicos. Não é mais suficiente repartir a terra, mas é preciso uma alimentação para todos, e uma alimentação sadia e de qualidade. Hoje visamos uma reforma agrária integral, e a nossa luta diz respeito a todos. Por isso, é preciso uma ampla aliança com os operários, os consumidores e também com a Igreja. Somos aliados de qualquer pessoa que deseje a mudança.