domingo, 20 de junho de 2010

É preciso descaramento para tamanho desaforo

O Presidente da República desvalorizou hoje "alguma polémica estéril" gerada em torno da sua actuação em relação à morte de José Saramago, garantindo ter feito o que lhe competia como chefe de Estado.

Em declarações aos jornalistas na ilha de S. Miguel, Cavaco teceu as seguintes considerações: "o que um chefe de Estado deve fazer é diferente daquilo que deve ser feito pelos amigos ou deve ser feito pelos conhecidos. Devo dizer que nunca tive o privilégio na minha vida, se me recordo, de alguma vez conhecer ou encontrar José Saramago", declarou o Presidente da República.

De facto, penso que o Senhor Presidente não deve ter conhecido cerca de 10 000 000 (dez milhões) de portugueses, para além de José Saramago, ou de se ter encontrado com um número semelhante de portugueses.

Eu, também não…! E, se calhar, os milhares de portugueses que prestaram homenagem a José Saramago não conhecem nem encontraram tanta gente nas suas vidas como Sua Exa. o Senhor Presidente já encontrou e conhece.

Lastimo que, até ao dia 17 de Junho de 2010 (dia da morte de Saramago), não tivesse aparecido uma alma caridosa que tivesse proporcionado ao Senhor Presidente o privilégio de conhecer o mais ilustre escritor português contemporâneo – Prémio Nobel da literatura, em 1998 –, nem sequer um seu colega, chefe de estado, o fez, embora José Saramago fosse conhecido, se não de todos (pois, creio que deve haver ainda alguns iguais ao nosso), pelo menos da esmagadora maioria.

Ou será que o nosso presidente não conhecia José Saramago, porque este vivia ou passava a maior parte dos seus últimos tempos em Lanzarote, Espanha? Será que um presidente de Portugal já não pode ser, também, presidente de um português que viva no estrangeiro? E, mesmo que seja o maior vulto da cultura portuguesa, não o pode reconhecer, exactamente porque não vive em solo pátrio?

É certo que José Saramago não gostava de Cavaco Silva; é também certo que o presidente não foi eleito por todos os portugueses, embora seja presidente de todos eles (mal grado meu), isto é, dos que votaram nele e dos que não votaram, daqueles de quem gostava e dos que não gostava; excepto de José Saramago: não porque gostasse ou odiasse, mas porque desconhecia.

É triste, mas não sei… Ou será que, tão-somente, o seu conhecimento está totalmente preenchido por Sousa Lara…?

Ainda bem que Fernando Pessoa, Camões, Eça e tantos outros eram amigos de Sousa Lara!