quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

AS RELIGIÕES E O TERRORISMO




Os principais conflitos do final do século XX e dos inícios do novo milénio possuem um transfundo religioso. Assim, na Irlanda, no Kosovo, em Cachemira, no Afeganistão, no Iraque e no novo Estado Islâmico, extremamente violento. Ficou claro em Paris com o assassinato dos cartunistas e outras pessoas por fundamentalistas islâmicos. Como nisso entra a religião?

Não sem razão escreveu Samiuel P. Huntington em seu conhecido livro O choque de civilizações: “No mundo moderno, a religião é uma força central, talvez a força central que motiva e mobiliza as pessoas….O que em última análise conta para as pessoas não é a ideologia política nem o interesse económico; mas aquilo com que as pessoas se identificam são as convicções religiosas, a família e os credos. É por estas coisas que elas combatem e até estão dispostas a dar a sua vida” (1997, p.79). Ele critica a política externa norte-americana por nunca ter dado o devido peso ao factor religioso, considerado algo passado e ultrapassado. Ledo engano. É o substrato dos mais graves conflitos que estamos vivendo.

Quer queiramos ou não, e não obstante o processo de secularização e o eclipse do sagrado, grande parte da humanidade orienta-se pela cosmovisão religiosa judaica, cristã, islâmica, xintoísta, budista e outras.

Como já afirmava Christopher Dawson (1889-1970), o grande historiador inglês das culturas: “as grandes religiões são os alicerces sobre as quais repousam as civilizações”(Dynamics of World History,1957,p.128). As religiões são o “point d’honneur” de uma cultura, pois através dela projecta os seus grandes sonhos, elabora os seus ditames éticos, confere um sentido à história e tem uma palavra a dizer sobre os fins últimos da vida e do universo. Somente a cultura moderna não produziu religião nenhuma. Encontrou substitutos com funções idolátricas, como a Razão, o progresso sem fim, o consumo ilimitado, acumulação sem limites e outros. A consequência foi denunciada por Nietzsche que proclamou a morte de Deus. Não que Deus tenha morrido, pois não seria Deus. É o facto de que os homens mataram Deus. Com isso queria significar que Deus não é mais ponto de referência para valores fundamentais, para uma coesão por cima entre os humanos. Os efeitos estamo-los a viver num nível planetário: uma humanidade sem rumo, uma solidão atroz e o sentimento de desenraizamento, sem saber para onde a história nos leva.

Se quisermos ter paz neste mundo precisamos resgatar o sentimento do sagrado, a dimensão espiritual da vida que estão nas origens das religiões. Na verdade, mais importante que as religiões é a espiritualidade que se apresenta como a dimensão do humano profundo. Mas a espiritualidade exterioriza-se sob a forma de religiões, cujo sentido é alimentar, sustentar e impregnar a vida de espiritualidade. Nem sempre o realiza porque quase todas as religiões, ao institucionalizarem-se, entram no jogo do poder, das hierarquias e podem assumir formas patológicas. Tudo o que é sadio pode ficar doente. Mas é pelo “sadio” que medimos as religiões, bem como as pessoas e não pelo “patológico”. E aí vemos que elas preenchem uma função insubstituível: a tentativa de dar um sentido último à vida e oferecer um quadro esperançoso da história.

Ocorre que hoje o fundamentalismo e o terrorismo, que são patologias religiosas, ganharam relevância. Em grande parte deve-se ao devastador processo de globalização (na verdade é ocidentalização do mundo) que passa por cima das diferenças, destrói identidades e impõe-lhes hábitos estranhos.

Geralmente, quando isso ocorre, os povos agarram-se àquelas instâncias que são os guardiães de sua identidade. É nas religiões que guardam as suas memórias e os seus melhores símbolos. Ao sentirem-se invadidos como no Iraque e no Afeganistão, com milhares de vítimas, refugiam-se em suas religiões como forma de resistência. Então a questão não é tanto religiosa. Ela é antes política que se serve da religião para se autodefender. A invasão gera raiva e vontade de vingança. O fundamentalismo e o terrorismo encontram nesse complexo de questões o seu nicho de origem. Daí os atentados do terror.

Como superar este impasse civilizacional? Fundamental é viver a ética da hospitalidade, dispor-se a dialogar e aprender com o diferente, viver a tolerância activa, sentir-se humano.

As religiões precisam reconhecer-se mutuamente, entrar em diálogo e buscar convergências mínimas que lhes permitem conviver pacificamente.

Antes de mais nada importa reconhecer o pluralismo religioso, de facto e de direito. A pluralidade deriva de uma correcta compreensão de Deus. Nenhuma religião pode pretender enquadrar o Mistério, a Fonte originária de todo ser ou qualquer nome que quisermos dar à Suprema Realidade, nas malhas de seu discurso e de seus ritos. Se assim fora, Deus seria um pedaço do mundo, na realidade, um ídolo. Ele está sempre mais além e sempre mais acima. Então, há espaço para outras expressões e outras formas de celebrá-lo que não seja exclusivamente através desta religião concreta.

Os onze primeiros capítulos do Génesis encerram uma grande lição. Neles não se fala de Israel como povo escolhido. Refere-se aos povos da Terra, todos como povos de Deus. Sobre eles paira o arco-íris da aliança divina. Esta mensagem recorda-nos ainda hoje que todos os povos, com as suas religiões e tradições, são povos de Deus, todos vivem na Terra, jardim de Deus e que formam a única Espécie Humana composta de muitas famílias com suas tradições, culturas e religiões.
Leonardo Boff [1]



terça-feira, 20 de janeiro de 2015

A PROPÓSITO DE PARIS



A propósito de Paris, escreve o Prof José Luís Cabaço[1]:

"Neste momento, o assassinato das doze pessoas e, em particular, dos jornalistas/artistas na sede do periódico satírico Charlie Hebdo, está-se perfilando como um novo, mini 11 de Setembro. Chovem de todo o lado mensagens de indignação, de condolências, de solidariedade, de condenação... Também eu estou indignado. Estou indignado por cada pessoa que morre no mundo da forma como morreram estes últimos. Sou solidário e feroz defensor da liberdade de expressão.

Triste porque alguns dos caricaturistas de Charlie Hebdo (particularmente Wolinski que conheci em Argel há “um século”) me apaixonavam e acompanharam com a sua feroz e dessacralizante sátira toda a minha adolescência e a minha vontade de então (e ainda de hoje) de mandar todo o mundo f.....-se.

Mas, por muito que me custe, não escreverei que sou Charlie Hebdo. Não meterei nenhuma bandeira negra no meu perfil no Facebook, nem quaisquer post com desenho de Charb nem sequer de Wolinski de quem tanto gosto... Se tiverem tempo de ler o meu longo raciocínio, explicarei porquê.


Charlie Hebdo nasce em 1992 mas a equipa que o funda vem de uma longa história de jornais de sátira libertária. Aquele que se pode considerar como o antepassado de Charlie é “Hara-kiri” onde trabalhavam já vários membros da actual redacção.

Hara-kiri satirizava os poderosos, De Gaulle, o exército, a igreja e foi fechado por várias vezes para reabrir sob diferentes formas e títulos.

Era divertido, dessacralizante, por vezes feroz. Mas tinha aquele sabor de liberdade da época.

Hoje, Charlie Hebdo mudou. Ainda o compramos, de vez em quando, porque tem um nome. Mas o seu público já não é o operário ou o estudante sem dinheiro, mas a “esquerda-caviar” da Paris bem.

Nos últimos anos foi assumindo uma linha editorial abertamente islamofóbica. Não se trata de visar, de vez em quando, uma religião. Isso, fê-lo sempre mesmo com a igreja católica. O problema não é esse. Se satirizasse os muçulmanos, o islão, o profeta, deus ou qualquer outra personagem ou símbolo sagrado não veria nisso, pessoalmente, nada de errado.

Mas as numerosas campanhas de Carlie Hebdo contra os muçulmanos, o islão, os símbolos sagrados desta religião tinham um sabor de insistente.

Fazia parte de uma certa cultura muito difusa nos ambientes que no passado tinham sido de esquerda e que hoje são só cínicos.

Ambientes que decidiram definitivamente estar do lado dos fortes e que não têm mais nenhuma batalha verdadeira a levar a cabo.

Uma ex-esquerda que se rendeu, de mãos e pés atados, à lógica do mercado, ao domínio dos bancos e, ultimamente, também à retórica do conflito de civilizações. Uma ex-esquerda que considera que o integralismo islâmico é o único e último perigo que ameaça a humanidade.

Uma ex-esquerda que já não tem sonhos nem projectos e que se contenta em olhar o mundo do alto da sua presumida superioridade cultural.

Mas não é por isso que não porei luto pelos mortos de Charlie Hebdo.

Não reconheço a quem quer que seja o direito de matar ninguém em nome de nada e ainda menos em nome de uma divergência de opiniões.

As minhas razões são outras.

O ataque à redacção do jornal satírico ocorre num momento particular. Ainda há um ano não se falava de integralismo.

O tema tinha quase desaparecido das primeiras páginas.

E se se viam imagens de barbudos em armas nas estradas de Trípoli o de Aleppo, eles eram chamados “Revolucionários”.

E cantavam-se loas a estes bravos rapazes. Lia-se em toda a parte que os bravos rapazes recebiam ajuda de todas as partes.

Lia-se um pouco menos que os bravos rapazes tinham tomado o controlo de várias unidades de extracção de petróleo e que a Turquia, um estado membro da Nato, lhes comprava tranquilamente. Lia-se ainda menos que, para além das ajudas e dos milhares de jovens vindos de todo o mundo em apoio a estes bravos rapazes, estavam também conselheiros militares que ensinavam os bravos rapazes a combater...

Depois, de repente, tudo muda.

Voltam a chamar-lhe terrorismo, e a morte de membros das minorias até então silenciadas vêm à luz.

Os serviços secretos de todos os países da Nato (e seus numerosos aliados) fazem de contas que caem das nuvens descobrindo que milhares de jovens partiram de suas cidades para reforçar os “revolucionários”.

Aparentemente não sabiam de nada. E nós a escandalizarmo-nos juntamente com eles.
Já há décadas que este joguinho era jogado.

As redes que hoje se chamam Al-Qaeda e depois Isis, Boko Haram e companhia foram organizados em plena guerra fria numa perspectiva anti-soviética.

Os países do Golfo Pérsico, em colaboração com a Nato, fizeram um trabalho de montagem financeira, propagandística e organizativa para favorecer o afluxo de combatentes de toda a parte.

Al-Qaeda era o principal aliado da Nato e obviamente dos países do Golfo nos anos noventa. Depois, pouco a pouco, resvala para a área da ilegalidade.

A guerra fria estava terminando e Samuel P. Huntington pré-anunciava um novo conflito baptizando-o de “conflito de civilizações”.

Entretanto chega a guerra da Argélia. Centenas de jovens regressados do Afeganistão contribuem para formar os primeiros núcleos de Grupos que, com o exército argelino (que também ele não estava para brincadeiras) fazem passar o país por duas décadas infernais.
Simultaneamente, nas mesquitas de londrinas, mas também nas francesas, italianas, alemãs, indivíduos pouco recomendáveis predicavam a luta armada na Argélia e recolhiam dinheiro proporcionando negócios fabulosos à indústria de armamento.

A Argélia estava saindo de uma era socialista e necessitava de um pequeno empurrão para privatizar os seus enormes recursos energéticos.

E como por milagre, após cada concessão assinada com uma multinacional, encerrava-se uma rede de apoio ao integralismo armado.

Quando finalmente as multinacionais tomaram o controlo do petróleo argelino, as redes tornaram-se terroristas e foram totalmente desmanteladas.

Pelo menos assim disse a imprensa livre de todo o mundo livre.

Em 2001 aconteceu o 11 de Setembro e, com ele, uma verdadeira histeria. Quem não tinha terroristas islâmicos para prender, inventava-os.

Todos queriam ter a sua ameaça e os seus mini-ataques.

Nunca foi totalmente esclarecido por quem, por quê e como foram perpetrados daquele dia, mas não faltavam justificações para as novas políticas de controle militar da área do médio oriente desejadas pelos Neo-cons, os neo-conservadores americanos.

Já lá vão 14 anos que decorre a sua war on terror que apenas produziu cada vez mais terror e cada vez mais novas wars.

Os Neo-cons vão-se e chega Obama, que diz querer retirar as tropas e vai ao Cairo onde faz um longo e forte discurso no qual diz que estende a sua mão para ajudar na criação de um “Novo Médio-oriente”. Pouco depois daquele discurso as praças árabes começam a agitar-se.

O mundo descobre que no mundo árabe não existem só militares bigodudos e rebeldes barbudos. No meio, há povos com muitas nuances que, ao fim e ao cabo, aspiram às mesmas coisas que todos os outros povos: dignidade, liberdade, bem-estar...

Os islamitas estão ausentes das praças ou quase. De qualquer forma, não lhes pertence a iniciativa. Às vezes seguem o movimento.

Por vezes retiram-se. O tom é dado pelos jovens laicos, cultos e amantes da liberdade e dos direitos humanos.

Isso não agrada a todos, ao que parece.

Já em Maio de 2011, os serviços secretos russos (geralmente bem informados por aquilo que sei) alertavam sobre a iminente reconstrução de redes integralistas internacionais sob o comando do especialista saudita no assunto: o príncipe Bandar Assudairi Ben Saud, promotor de vários grupos e de várias guerrilhas islâmicas no mundo.

O objectivo era o de recolocar o islamismo político na liderança das revoltas.

Essa informação foi retomada apenas pela rede Voltaire, oficialmente classificada como subversiva, e todos fizeram de conta que nada existia.

Hoje, tudo o que foi previsto naquele alerta se verificou, e muito mais.

Na Líbia, um comandante “ex” Al-Qaeda liderando um exército armado pelo Qatar e Arábia Saudita e treinado pela CIA toma a cidade de Trípoli que as milícias tribais não conseguiam conquistar e o país torna-se uma espécie de território libertado por grupos armados de todos os tipos.

No Iémen, a Arábia Saudita reinstala o velho regime, mas estranhamente grupos armados despontam em toda a parte como cogumelos.

No Egipto e na Tunísia os irmãos muçulmanos são levados ao poder num tapete de petrodólares. Da Síria nem falemos... O resto da história é bem conhecida.

Entretanto no ocidente as mesquitas (não todas felizmente, mas as mais extremistas e que seriam em teoria também as mais vigiadas pelos serviços secretos) voltam a ser locais de recolha de fundos e de recrutamento.

Se amanhã um juiz investiga com demasiado rigor o porquê, pode ocorrer um novo caso Abu Omar.

E agora, finalmente, de há menos de um ano para cá, todos a gritar o perigo. Que jogo é este? Alguém pode explicar?

Já há mais de 30 anos que os serviços secretos de todo o mundo brincam com o fogo com os grupos integralistas. São controlados, são infiltrados, são insuflados quando servem e esvaziados quando deixam de servir.

De resto, é o mesmo que se tem feito e continua a fazer com os grupos extremistas de direita e de esquerda desde a segunda guerra mundial.

Quem se recorda da sigla “Stay Behind” e dos falsos atentados (mas com mortos verdadeiros) por toda a Europa sabe do que estou falando.

Hoje é preciso fazer subir a aposta em jogo.

A crise pede guerra. As novas guerras pelo controlo do Médio Oriente precisam de legitimidade.

A crise desacreditou toda a classe política europeia e só o crescimento dos extremismos de direita pode levar as gentes e voltar a votá-los.

Não gostas do Renzi mas como o perigo é Salvini (porque será que ele está sempre na TV?) então vais e votas Renzi.

Por outro lado, também as redes do integralismo armado precisam de fazer aumentar o nível da tensão.

Quem vive de violência e para a violência precisa da tensão como de oxigénio. Eles vivem na mesma lógica.

E agora, cometido o delito, todos os fascistóides que gostariam de ter feito explodir a cabeça ao grupo Charlie Hebdo pelas suas velhas posições antifascistas ou pelas suas posições sobre a homossexualidade e outros temas do género, todos eles já publicaram mensagens de condolências e choram lágrimas de crocodilo sobre esta Europa que queriam livre, mas que é ameaçada pelos muçulmanos, pelos africanos, pelos asiáticos, portadores de valores antidemocráticos !!!!!!

E nos set televisivos já começaram a recolher os frutos deste verdadeiro maná político que lhes foi servido num prato de … chumbo.

É para não fazer parte deste gigantesco teatrinho das emoções encomendadas, das indignações selectivas, da solidariedade de fachada, das amnésias colectivas e da hipocrisia generalizada que me recuso a içar a bandeira negra, nem escreverei “Eu sou Charlie”.

Eu não sou Charlie. Fui Charlie quando era criança, quando também Charlie era Charlie. Hoje já não o somos, nem ele nem eu.

Hoje Charlie já não faz rir ninguém e a mim vem vontade de chorar, chorar só, isolado.

Tenho vontade de chorar, mas não só por Wolinski e pelos seus colegas.

Vem-me vontade de chorar por todos os mortos desta história sórdida.

Chorar pelas centenas de milhar de mortos durante a guerra suja na Argélia, pelos amigos que ali perdi.

Chorar elas vítimas do World Trade Center, pelo meio milhão de iraquianos, as centenas de milhar de afegãos, paquistaneses, pelas dezenas de milhar de líbios, de iemenitas, de palestinos, pelas centenas de milhar de pessoas mortas na Síria, tudo parte de uma trágica farsa chamada “conflito de civilizações”.




[1] Ex-Ministro de Transportes de Moçambique. Texto publicado no seu facebook sobre a questão de Paris...

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

CONCORDO






Estou plenamente de acordo e repudio as críticas “básicas e primárias” feitas a Ana Gomes por parte de quem, de repente, passou a conhecer todos os fenómenos sociais da Europa, só porque, inesperadamente, se sentiram inspirados no holocausto do “Charlie Hebdo”…




Respeitando a liberdade de expressão e de imprensa, e considerando que é um dos objectivos actuais da civilização ocidental – de que nós, portugueses, fomos percursores na nossa história –, em especial na dos descobrimentos [até D. Manuel I, pois desde aí “contagiámo-nos”, pela sabujice (inicialmente, a ganância de D. Manuel querer ser Imperador e, para tal ter que agradar aos reis de Espanha e culminando no fanatismo religioso de D. João III) com outros modos de ver e sentir os Judeus e os Muçulmanos], revejo-me inteiramente neste segundo tweet de Ana Gomes.




Por último, é de elementar bom senso cativar os muçulmanos e solidarizarmo-nos com eles para combater os fundamentalismos que destroem a humanidade; necessitamos da sua colaboração, como diz Ana Gomes, para que denunciem os fanáticos jihadistas “como anti-Islão”. Então, para quê ofender o que lhes é mais querido – a imagem do Profeta.



Posso não concordar em algumas coisas com Ana Gomes, mas nestas estou plenamente de acordo – Concordo!



segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

O REGRESSO AO ARCAICO, NA JUSTIÇA




No Público, do dia 9 de Janeiro, sexta-feira, na página 15, e da autoria de Pedro Sales Dias pode ler-se que « […] a ministra [da Justiça] ‘remeteu’ um relatório do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ) sobre as falhas no Citius para a Procuradoria-Geral da República sugerindo um inquérito por, entre outros, o crime de sabotagem informática. Mas, no relatório não é mencionada a sabotagem. Um dos responsáveis do IGFEJ, Carlos Brito, disse até ao Ministério Público que é “improvável que tenha havido sabotagem”.

Os técnicos foram ilibados em Novembro e não avançaram até agora com a queixa [contra a Ministra] porque, adiantou a jurista [advogada dos técnicos afastados], esperaram que se esgotassem os prazos judiciais de reacção por parte da tutela que convidou recentemente o presidente do IGFEJ, Rui Pereira, e o vogal da sua direcção, Carlos Brito, a demitirem-se. Estes recusaram e deverão ser exonerados. Rui Pereira não quis reagir. O Público também tentou, sem sucesso, falar com o secretário de Estado da Justiça, António Costa Moura, que tem a tutela do IGFEJ. Foram precisamente Rui Pereira e Carlos Brito que assinaram o relatório sobre as falhas no Citius que responsabilizava Hugo Tavares e Paulo Queirós».


O Professor Catedrático Jubilado (FCSH-UNL) Mário Vieira de Carvalho, no Debate Processo Judicial, no mesmo Jornal, mas no dia 12 de Janeiro esclarece que « […] o Direito firma-se na religião. Ou então firma-se numa estrutura e num discurso de legitimação em tudo análogos aos da religião. Como nos processos de Moscovo do final da década de 30: “À maneira do direito arcaico, é julgada a pessoa e não o acto, a perigosidade potencial da pessoa e não a sua maldade real.

Para que serve então, nessas circunstâncias, o processo judicial? Para “demonstrar um crime que se ignora, oculto por detrás da consciência do acusado”. Bastam a coesão do grupo e o fundo religioso ou ideológico para fundamentar a sentença. A “verdade” impõe-se por si só. Não carece de demonstração. Não carece de prova. Em vez da submissão à prova, privilegia-se a confissão ou a “autocrítica”: aquela enfraqueceria, estas reforçam a ordem totalitária. O show é imanente ao processo.

O regresso ao arcaico, no Direito, não ocorre hoje apenas em países islâmicos. Manifesta-se também, e mais universalmente, na transferência da soberania para os centros de poder financeiro. Os mercados tomaram o lugar do “Príncipe” ou do “Ditador”. Por um lado, ditam a suspensão do Direito ou “estado de excepção”, como compete ao poder soberano (Fernando Gil aborda largamente o conceito, inclusive discutindo a Teologia Política de Carl Schmitt). Por outro lado, promovem, como nunca antes, a disseminação do “pensamento único” numa esfera pública “refeudalizada” (Habermas).

Tais contornos totalitários deveriam ser tidos em conta na discussão do aparente regresso a uma arcaica “dispensa da prova”, na sua variante mais actual e refinada: a inversão objectiva do ónus da prova enquanto efeito automático e irreversível da gestão mediática dos processos judiciais – do carácter de show que os próprios agentes judiciários lhes conferem».


Para culminar, embora sobre este acontecimento não queira fazer um Juízo de Valor, mas tão-só, uma simples narração duma ocorrência, contada hoje na SIC, no programa “queridas manhãs”:

Um empresário, cansado de ver assaltado frequentemente um armazém de sua propriedade resolveu criar uma armadilha que afectasse o assaltante.

Se bem o pensou, melhor o fez…

Assim, de facto, conseguiu apanhar o assaltante. Porém, a par da sua queixa e participação da ocorrência, junto da entidade policial respectiva, viu-se confrontado com uma queixa contra ele, por parte do assaltante.

O assaltante viu, prontamente, alcançada a sua pretensão: ser indemnizado pelos prejuízos causados pela armadilha montada pela vítima; mesmo assim irá recorrer por – pasmem! – a indemnização ser só de € 37 000,00 (trinta e sete mil euros). A vítima dos frequentes assaltos – esse – foi condenada a cinco anos de pena suspensa.

Uma pergunta aflora-se no meu espírito, com a frequência e a força de um martelo pneumático: Para onde caminha a Justiça, em Portugal?


Que mais nos poderá acontecer?



quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

HINO À CORAGEM





Da Teresa, in ‘365forte’ ressalto:

“Ontem, muitos foram Charlie, foram-no todos aqueles que saíram para as ruas sem medo de uns malucos que por lá andavam à solta carregados de armas, mas nós, os que acenamos com um ‘Je Suis Charlie’ cá de longe sem receios de maior, continuamos de joelhos porque temos medo de morrer de pé. Ou de ser despedidos. Ou de ser mal vistos pela vizinhança. Ou de desagradar ao chefe, à namorada, aos amigos, ao gerente do banco, aos filhos teenagers, ao editor do jornal, ao político da praça, aos donos disto tudo.

Este não foi um atentado contra a liberdade de expressão, ou contra a humanidade, ou contra a Democracia, este foi um atentado contra a coragem de alguns, contra os que ainda não têm medo”.


Hoje, também, relembro Adriano Correia de Oliveira:


Venho dizer-vos que não tenho medo
A verdade é mais forte que as algemas
Venho dizer-vos que não há degredo
Quando se traz a alma cheia de poemas

Em qualquer parte estou presente
Tomo o navio da canção
E vou direito ao coração de toda a gente

Venho dizer-vos que não tenho medo
A verdade é mais forte que as algemas
Venho dizer-vos que não há degredo
Quando se traz a alma cheia de poemas






terça-feira, 6 de janeiro de 2015

QUEM REGULA OS REGULADORES?




“O Decreto Regulamentar é contraditório (…) diz que a prova é complementar mas depois a prova tem um carácter decisivo”.

“O Decreto Regulamentar é inconsistente”.

“Esta prova não se integra em nenhum projeto global de qualificação, quer dos vários intervenientes do sistema educativo com impacto nas aprendizagens dos alunos, quer da competência docente”.

“O Conselho Científico considera que esta prova carece de alguns requisitos que deve reunir uma avaliação credível – a validade e autenticidade”.

“A PACC[1] implementada em 2014 carece de validade e autenticidade”.

“Este tipo de provas ignora aquilo que é essencial na acção docente”.

“A adoção de uma prova de avaliação de conhecimentos e competências entre essas duas etapas (formação superior e período probatório) parece-nos pouco fundamentada, a menos que, conforme acima referido, a entidade empregadora o MEC duvide da qualidade ou do rigor das instituições de ensino superior que tutela”.

E, para terminar:

“O Conselho Científico considera que nenhuma avaliação pontual, realizada através de uma prova escrita ‘de papel e lápis’ com a duração de duas horas, é efetivamente válida e fiável se não for integrada numa estratégia global e contínua de formação e avaliação. Assim sendo, a PACC afigura-se-nos como uma iniciativa isolada, cujo propósito mais evidente parece ser o impedimento ou obstaculizar o acesso à carreira docente.”

E, caro leitor, se chegou até aqui (como comentou João Paulo, do Aventar) merece saber que tudo isto está escrito num documento do próprio Ministério da Educação[2] IAVE[3].



[1] Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades
[2] Conselho Científico, do IAVE – Instituto de Avaliação Educativa
[3] Ao IAVE, I.P., compete coordenar o processo de elaboração e validação da prova.

domingo, 4 de janeiro de 2015

MUDARAM O ESCRITOR DE DISCURSOS




Só quero perceber…

O Prof. Cavaco – ainda Presidente –, no discurso de Ano Novo, veio em defesa do papel dos partidos políticos tradicionais…?

Como?! Acaso não foi ele que, a 5 de Outubro passado, fez um discurso bastante crítico em relação aos partidos, responsabilizando-os pela crescente “insatisfação dos cidadãos”.

Não percebo…!

Então, não é que, esta semana, na mensagem de Ano Novo, embora pedindo aos partidos que não caiam na tentação de fazer promessas demagógicas (quem diria…?), mostrou-se mais “partidário” dos partidos tradicionais. Para ele – agora, passados quase três meses – os partidos “são essenciais para a qualidade da democracia” e rejeitou a ideia “segundo a qual os partidos e os seus dirigentes se alheiam dos interesses do país”.

Depois de muito pensar sobre as razões de tão grande mudança de opinião, em tão curto espaço de tempo, cheguei a uma conclusão: mudaram o escritor de discursos do pobre orador sem o avisarem e na presunção de que ele já não se lembraria daquilo que leu a 5 de Outubro.

Enfim, é triste quando se chega a este ponto…