segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

O REGRESSO AO ARCAICO, NA JUSTIÇA




No Público, do dia 9 de Janeiro, sexta-feira, na página 15, e da autoria de Pedro Sales Dias pode ler-se que « […] a ministra [da Justiça] ‘remeteu’ um relatório do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ) sobre as falhas no Citius para a Procuradoria-Geral da República sugerindo um inquérito por, entre outros, o crime de sabotagem informática. Mas, no relatório não é mencionada a sabotagem. Um dos responsáveis do IGFEJ, Carlos Brito, disse até ao Ministério Público que é “improvável que tenha havido sabotagem”.

Os técnicos foram ilibados em Novembro e não avançaram até agora com a queixa [contra a Ministra] porque, adiantou a jurista [advogada dos técnicos afastados], esperaram que se esgotassem os prazos judiciais de reacção por parte da tutela que convidou recentemente o presidente do IGFEJ, Rui Pereira, e o vogal da sua direcção, Carlos Brito, a demitirem-se. Estes recusaram e deverão ser exonerados. Rui Pereira não quis reagir. O Público também tentou, sem sucesso, falar com o secretário de Estado da Justiça, António Costa Moura, que tem a tutela do IGFEJ. Foram precisamente Rui Pereira e Carlos Brito que assinaram o relatório sobre as falhas no Citius que responsabilizava Hugo Tavares e Paulo Queirós».


O Professor Catedrático Jubilado (FCSH-UNL) Mário Vieira de Carvalho, no Debate Processo Judicial, no mesmo Jornal, mas no dia 12 de Janeiro esclarece que « […] o Direito firma-se na religião. Ou então firma-se numa estrutura e num discurso de legitimação em tudo análogos aos da religião. Como nos processos de Moscovo do final da década de 30: “À maneira do direito arcaico, é julgada a pessoa e não o acto, a perigosidade potencial da pessoa e não a sua maldade real.

Para que serve então, nessas circunstâncias, o processo judicial? Para “demonstrar um crime que se ignora, oculto por detrás da consciência do acusado”. Bastam a coesão do grupo e o fundo religioso ou ideológico para fundamentar a sentença. A “verdade” impõe-se por si só. Não carece de demonstração. Não carece de prova. Em vez da submissão à prova, privilegia-se a confissão ou a “autocrítica”: aquela enfraqueceria, estas reforçam a ordem totalitária. O show é imanente ao processo.

O regresso ao arcaico, no Direito, não ocorre hoje apenas em países islâmicos. Manifesta-se também, e mais universalmente, na transferência da soberania para os centros de poder financeiro. Os mercados tomaram o lugar do “Príncipe” ou do “Ditador”. Por um lado, ditam a suspensão do Direito ou “estado de excepção”, como compete ao poder soberano (Fernando Gil aborda largamente o conceito, inclusive discutindo a Teologia Política de Carl Schmitt). Por outro lado, promovem, como nunca antes, a disseminação do “pensamento único” numa esfera pública “refeudalizada” (Habermas).

Tais contornos totalitários deveriam ser tidos em conta na discussão do aparente regresso a uma arcaica “dispensa da prova”, na sua variante mais actual e refinada: a inversão objectiva do ónus da prova enquanto efeito automático e irreversível da gestão mediática dos processos judiciais – do carácter de show que os próprios agentes judiciários lhes conferem».


Para culminar, embora sobre este acontecimento não queira fazer um Juízo de Valor, mas tão-só, uma simples narração duma ocorrência, contada hoje na SIC, no programa “queridas manhãs”:

Um empresário, cansado de ver assaltado frequentemente um armazém de sua propriedade resolveu criar uma armadilha que afectasse o assaltante.

Se bem o pensou, melhor o fez…

Assim, de facto, conseguiu apanhar o assaltante. Porém, a par da sua queixa e participação da ocorrência, junto da entidade policial respectiva, viu-se confrontado com uma queixa contra ele, por parte do assaltante.

O assaltante viu, prontamente, alcançada a sua pretensão: ser indemnizado pelos prejuízos causados pela armadilha montada pela vítima; mesmo assim irá recorrer por – pasmem! – a indemnização ser só de € 37 000,00 (trinta e sete mil euros). A vítima dos frequentes assaltos – esse – foi condenada a cinco anos de pena suspensa.

Uma pergunta aflora-se no meu espírito, com a frequência e a força de um martelo pneumático: Para onde caminha a Justiça, em Portugal?


Que mais nos poderá acontecer?



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