No Público,
do dia 9 de Janeiro, sexta-feira, na página 15, e da autoria de Pedro Sales
Dias pode ler-se que « […] a ministra [da Justiça] ‘remeteu’ um relatório do
Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ) sobre as
falhas no Citius para a
Procuradoria-Geral da República sugerindo um inquérito por, entre outros, o
crime de sabotagem informática. Mas, no
relatório não é mencionada a sabotagem. Um dos responsáveis do IGFEJ,
Carlos Brito, disse até ao Ministério Público que é “improvável que tenha havido sabotagem”.
Os técnicos
foram ilibados em Novembro e não avançaram até agora com a queixa [contra a
Ministra] porque, adiantou a jurista [advogada dos técnicos afastados], esperaram
que se esgotassem os prazos judiciais de reacção por parte da tutela que
convidou recentemente o presidente do IGFEJ, Rui Pereira, e o vogal da sua
direcção, Carlos Brito, a demitirem-se. Estes recusaram e deverão ser
exonerados. Rui Pereira não quis reagir. O Público também tentou, sem sucesso, falar
com o secretário de Estado da Justiça, António Costa Moura, que tem a tutela do
IGFEJ. Foram precisamente Rui Pereira e Carlos Brito que assinaram o relatório
sobre as falhas no Citius que
responsabilizava Hugo Tavares e Paulo Queirós».
O Professor Catedrático
Jubilado (FCSH-UNL) Mário Vieira de Carvalho, no Debate Processo Judicial, no
mesmo Jornal, mas no dia 12 de Janeiro esclarece que « […] o Direito firma-se
na religião. Ou então firma-se numa estrutura e num discurso de legitimação em
tudo análogos aos da religião. Como nos processos de Moscovo do final da década
de 30: “À maneira do direito arcaico, é
julgada a pessoa e não o acto, a perigosidade potencial da pessoa e não a sua
maldade real.”
Para que
serve então, nessas circunstâncias, o processo judicial? Para “demonstrar um
crime que se ignora, oculto por detrás da consciência do acusado”. Bastam a
coesão do grupo e o fundo religioso ou ideológico para fundamentar a sentença.
A “verdade” impõe-se por si só. Não carece de demonstração. Não carece de
prova. Em vez da submissão à prova, privilegia-se a confissão ou a
“autocrítica”: aquela enfraqueceria, estas reforçam a ordem totalitária. O show é imanente ao processo.
O regresso
ao arcaico, no Direito, não ocorre hoje apenas em países islâmicos. Manifesta-se também, e mais universalmente,
na transferência da soberania para os centros de poder financeiro. Os
mercados tomaram o lugar do “Príncipe” ou do “Ditador”. Por um lado, ditam a
suspensão do Direito ou “estado de excepção”, como compete ao poder soberano
(Fernando Gil aborda largamente o conceito, inclusive discutindo a Teologia
Política de Carl Schmitt). Por outro lado, promovem, como nunca antes, a
disseminação do “pensamento único” numa esfera pública “refeudalizada” (Habermas).
Tais
contornos totalitários deveriam ser tidos em conta na discussão do aparente regresso
a uma arcaica “dispensa da prova”, na
sua variante mais actual e refinada: a
inversão objectiva do ónus da prova enquanto efeito automático e
irreversível da gestão mediática dos processos judiciais – do carácter de show
que os próprios agentes judiciários lhes conferem».
Para
culminar, embora sobre este acontecimento não queira fazer um Juízo de Valor,
mas tão-só, uma simples narração duma ocorrência, contada hoje na SIC, no
programa “queridas manhãs”:
Um
empresário, cansado de ver assaltado frequentemente um armazém de sua
propriedade resolveu criar uma armadilha que afectasse o assaltante.
Se bem o
pensou, melhor o fez…
Assim, de
facto, conseguiu apanhar o assaltante. Porém, a par da sua queixa e
participação da ocorrência, junto da entidade policial respectiva, viu-se
confrontado com uma queixa contra ele, por parte do assaltante.
O assaltante
viu, prontamente, alcançada a sua pretensão: ser indemnizado pelos prejuízos
causados pela armadilha montada pela vítima; mesmo assim irá recorrer por –
pasmem! – a indemnização ser só de € 37 000,00 (trinta e sete mil euros). A
vítima dos frequentes assaltos – esse – foi condenada a cinco anos de pena
suspensa.
Uma pergunta
aflora-se no meu espírito, com a frequência e a força de um martelo pneumático: Para onde caminha a Justiça, em
Portugal?
Que mais nos
poderá acontecer?
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