O
individualismo, marca registada da sociedade de mercado e do capitalismo como
modo de produção e a sua expressão política – o neoliberalismo –, revelam toda a
sua força mediante as corporações
nacionais e multinacionais. Nelas vigora uma cruel competição dentro da lógica
do ganha-perde.
Pensava-se
que a crise sistémica de 2008 que afectou pesadamente o coração dos centros económico-financeiros
nos USA e na Europa, lá onde a sociedade de mercado é dominante e elabora as
estratégias para o mundo inteiro, levasse a uma revisão de rumo. Ainda mais porque
não se trata apenas do futuro da sociedade de mercado globalizada, mas da nossa
civilização e até da nossa espécie e do sistema-vida.
Muitos, como
J. Stiglitz e P. Krugman, esperavam que o legado da crise de 2008 seria um
grande debate sobre que tipo de sociedade que queremos construir. Enganaram-se
rotundamente. A discussão não se deu. Ao contrário, a lógica que provocou a
crise foi retomada com mais furor.
Richard Wilkinson,
epidemiologista inglês e um dos maiores especialistas sobre o tema desigualdade foi mais
atento e disse, ainda em 2013 numa entrevista ao jornal Die Zeit, da
Alemanha: “a questão fundamental é esta:
queremos ou não verdadeiramente viver segundo o princípio que o mais forte se
apropria de quase tudo e o mais fraco é deixado para trás?”.
Os
super-ricos e os super-poderosos decidiram que querem viver segundo o princípio
darwinista do mais forte e que se danem os mais fracos. Mas, comenta Wilkinson:
“creio que todos temos necessidade de uma
maior cooperação e reciprocidade, pois as pessoas desejam uma maior igualdade
social”. Esse desejo é intencionalmente negado por esses epulões[1].
Via de
regra, a lógica capitalista é feroz: uma empresa engole a outra
(eufemisticamente diz-se que fizeram fusões). Quando se chega a um ponto em que
só restam apenas algumas grandes, elas mudam a lógica: ao invés de se
guerrearem, fazem entre si uma aliança de lobos e comportam-se mutuamente como cordeiros.
Assim articuladas detém mais poder, acumulam com mais certeza para si e para os
seus accionistas, desconsiderando totalmente o bem da sociedade.
A influência
política e económica que exercem sobre os governos, a maioria muito mais fracos
que elas, é extremamente constrangedor, interferindo no preço das “commodities”,
na redução dos investimentos sociais na saúde, educação, transporte e
segurança. Os milhares que ocupam as ruas no mundo intuíram essa dominação de
um novo tipo de império, feito sob o lema: “a ganância é boa” e “devoremos
o que pudermos devorar”.
Há
excelentes estudos sobre a dominação do mundo por parte das grandes corporações
multilaterais. Conhecido é o do economista norte-americano David Korten ”Quando
as corporações regem o mundo”[2].
Mas fazia falta um estudo de síntese. Este foi feito pelo Instituto Suíço de
Pesquisa Tecnológica (ETH), em Zurique, em 2011, o qual se conta entre os mais
respeitados Centros de Pesquisa, competindo com MIT. O documento envolve
grandes nomes, é curto, não mais de 10 páginas e 26 sobre a metodologia para
mostrar a total transparência dos resultados. Foi resumido pelo Professor de
economia da PUC-SP Ladislau Dowbor em seu site. Baseamo-nos nele.
De entre as
30 milhões de corporações existentes, o Instituto seleccionou 43 mil para
estudar melhor a lógica de seu funcionamento. O esquema simplificado articula-se
assim: há um pequeno núcleo financeiro central que possui dois lados; de um, são
as corporações que compõe o núcleo e do outro, aquelas que são controladas por
ele. Tal articulação cria uma rede de controlo corporativo global. Esse pequeno
núcleo (core) constitui uma super-entidade (super entity). Dela
emanam os controlos em rede, o que facilita a redução dos custos, a protecção
dos riscos, o aumento da confiança e, o que é principal, a definição das linhas
da economia global que devem ser fortalecidas e onde.
Esse pequeno
núcleo, fundamentalmente de grandes bancos, detém a maior parte das
participações nas outras corporações. O topo controla 80% de toda rede de
corporações. São apenas 737 actores, presentes em 147 grandes empresas. Aí
estão o Deutsche Bank, o J.P. Morgan Chase, o UBS, o Santander, o Goldman
Sachs, o BNP Paribas, entre outros tantos. No final menos de 1% das empresas
controla 40% de toda rede.
Este facto permite-nos
entender agora a indignação dos Occupies e de outros que acusam que 1%
das empresas faz o que quer com os recursos suados de 99% da população. Eles
não trabalham e nada produzem. Apenas fazem mais dinheiro com dinheiro lançado
no mercado da especulação.
Foi esta absurda voracidade de
acumular ilimitadamente que gerou a crise sistémica de 2008.
Esta lógica
aprofunda cada vez mais a desigualdade e torna mais difícil a saída da crise.
Quanta desumanidade aquenta o estômago dos povos?
Como diz
Dowbor: “A verdade é que temos ignorado o
elefante que está no centro da sala”. Ele está a quebrar tudo, cristais,
louças e pisando as pessoas. Até quando? O senso ético mundial assegura-nos que
uma sociedade não pode subsistir por muito tempo equilibrada sobre a super-exploração,
a mentira e a anti-vida.
A grande
alternativa é oferecida por David Korten que tem trabalhado com Joanna Macy,
uma das mais comprometidas educadoras com o novo paradigma e com um futuro
diferente e optimista do mundo. A grande viragem (The Great Turning) dar-se-á
com a passagem do paradigma “Império”
para o da “Comunidade da Terra”.
O primeiro
dominou nos últimos cinco mil anos. Agora chegou ao seu ponto mais baixo de
degradação. Uma viragem salvadora é a renúncia ao poder como dominação imperial
sobre e contra os outros na direcção de uma convivência de todos com todos na
única “Comunidade da Terra”, na qual seres humanos e demais seres da grande
comunidade de vida convivem, colaboram e juntos mantém uma Casa Comum
hospitaleira e acolhedora para todos. Só nesta direcção poderemos garantir um
futuro comum, digno de ser vivido.