O Socialismo e a social-democracia, na Europa,
acabaram…(?!)
O olhar atento de
José Luis Fiori no Carta
Maior, sobre a Europa que se autodestrói:
É preciso olhar
de frente e sem ilusões: a social-democracia e o socialismo europeus acabaram.
Acabaram como utopia, como ideologia e como projecto
político autónomo. De forma inglória, na Itália, Grécia, Portugal e Espanha, e
de forma desastrosa, na França de Françoise Hollande, com sua xenofobia e seu “belicismo humanitário”; e na Alemanha,
dos governos de coligação e da submissão social-democrata, ao conservadorismo
de Angela Merkel, com sua visão “germanocêntrica”
e hierárquica da União Europeia, e da sua relação com o mundo islâmico. Este espectáculo
terminal, entretanto, inscreve-se numa longa história que começou no fim do
século XIX, e atravessou várias “revisões” teóricas e estratégicas, e inúmeras
experiências parlamentares e de governo, que foram alterando, progressivamente,
através do século XX, os objectivos e a própria identidade do socialismo
europeu, até chegar ao desastre actual.
Tudo começou em 1884,
com a defesa de Eduard Bernstein, da necessidade de modificar ou reinterpretar
algumas teses marxistas clássicas sobre a “luta
de classes” e a “revolução socialista”,
à luz das grandes transformações capitalistas das últimas décadas do século
XIX, e das necessidades da luta eleitoral do partido social-democrata alemão,
que era o mais importante da Europa, naquele momento. Segundo Bernstein, o
progresso tecnológico e a centralização e internacionalização do capital haviam
mudado a natureza da classe operária e a própria dinâmica do sistema
capitalista, cujo desenvolvimento histórico já não apontaria mais na direcção
da “pauperização crescente”, da “crise final” e da “revolução socialista”.
Como consequência,
Bernstein propunha que os sociais-democratas abandonassem a “via revolucionária”, e optassem pela via
eleitoral e parlamentar de transformação continua, reformista e endógena do
próprio capitalismo. As ideias e propostas de Bernstein privilegiavam inicialmente
a questão parlamentar, e foi só mais tarde que tiveram um peso importante na
decisão dos sociais-democratas de participar dos governos de “união nacional” ou de “frente popular”, junto com outras forças
políticas mais conservadoras, para enfrentar os efeitos devastadores da I
Guerra Mundial, e da crise económica da década de 30.
Os problemas que
estavam colocados sobre a mesa eram o colapso económico, o desemprego e a
inflação, e os sociais-democratas seguiram a cartilha dos conservadores, até
porque não tinham uma visão própria de como enfrentar estes desafios concretos,
dentro do próprio capitalismo. Neste contexto, entretanto, destaca-se a
originalidade do governo social-democrata sueco que respondeu à crise
utilizando-se de uma política heterodoxa de incentivo ao crescimento económico e pleno
emprego. A despeito que seu sucesso deva ser atribuído à atrelagem da
economia sueca ao expansionismo bélico da economia nazista, mais do que as
virtudes da própria política económica do governo social-democrata. De qualquer
forma, o modelo sueco de “pacto social”
foi reproduzido mais tarde, com sucesso, pelos governos sociais-democratas da
Áustria, Bélgica, Holanda, e dos próprios países nórdicos, que seguiram sendo
governados pelos sociais-democratas, depois da guerra. Seja como for, o caso sueco
foi uma excepção no meio de vários fracassos sociais-democratas no comando das políticas
económicas rigorosamente ortodoxas e conservadoras dos governos de que
participaram, na Alemanha, entre 1928-30; na Grã-Bretanha, entre 1929-31; na
Espanha, entre 1928-30; e na França, entre 1936-37.
Logo depois da II
Guerra Mundial, os alemães lideraram outra grande revisão doutrinária e
estratégica do socialismo europeu que culminou no Congresso do Bad Godesberg,
realizado em 1959. Foi neste momento que os socialistas e os sociais-democratas
europeus abandonaram a ortodoxia económica e aderiram às teses e às políticas
keynesianas, como forma de gerir a economia capitalista com o objectivo de
multiplicar os empregos e os recursos necessários para o financiamento das suas
políticas distributivas e de protecção social. Dava-se como certo que no médio-prazo,
as políticas favoráveis à acumulação de capital também teriam efeitos
favoráveis para o mundo do trabalho e da equidade social.
Neste sentido, do
ponto de vista lógico e político, a partir deste momento, o sucesso do
capitalismo passou a ser uma condição indispensável do sucesso reformista dos
socialistas europeus, completando-se uma volta de 180º, com relação à sua tese
clássica de que a liberdade e a igualdade seriam um produto necessário da
eliminação da propriedade privada e dos “estados burgueses”. Depois de Bad
Godesberg, a nova proposta passou a ser: “liberdade
política = igualdade social = crescimento económico = sucesso capitalista”.
De qualquer maneira,
este novo consenso durou pouco, e já na década de 1980, teve início uma
terceira grande “rodada revisionista”, quando os socialistas e sociais-democratas
europeus abandonaram o “barco
keynesiano” e aderiram às novas teses e políticas neoliberais promovidas em
todo mundo, pelos governos conservadores de Margareth Thatcher e Ronald Reagan.
Esta mudança de rumo avançou como um rastilho de pólvora – a partir de 80 – na
Espanha de Felipe Gonzalez e na França de François Mitterand, e também na
Itália de Bettino Craxi, e na Grécia de Andreas Papandreu. E logo em seguida,
na Inglaterra de Tony Blair, onde foram formuladas as principais teses da “terceira via”, patrocinada pelos
trabalhistas ingleses, e que era na prática uma repetição dos mesmos argumentos
que Eduard Bernstein havia apresentado um século antes. Segundo os trabalhistas
ingleses, teria ocorrido uma mudança do capitalismo e das suas classes sociais
que limitava a eficácia da política da classe tradicional e da própria
intervenção “keynesiana” do Estado, tornando-se necessário uma nova adaptação
das ideias e programas socialistas a este mundo desproletarizado, desestatizado
e globalizado.
No início do século
XXI, entretanto, já estava claro que estas políticas e reformas tinham tido um
efeito social extremamente negativo, provocando redução simultânea dos postos
de trabalho, dos salários, dos gastos sociais e da segurança dos trabalhadores,
junto com uma enorme concentração e centralização do capital e da renda, em
todos os países do continente. Mesmo assim, os socialistas e sociais-democratas
europeus mantiveram e radicalizaram as suas novas posições, transformando-se
nos defensores mais intransigentes – dentro da União Europeia – dos princípios
e políticas ortodoxas e neoliberais que os levaram ao “beco sem saída” em que se encontram na conjuntura desta segunda
década do século XXI.
O problema agora é
que já não se trata mais de uma simples crise conjuntural ou circunstancial, trata-se
do esgotamento de um projecto que foi sofrendo sucessivas mudanças estratégicas
até o ponto em que perdeu todo e qualquer contacto com suas próprias raízes
históricas. Primeiro, os partidos socialistas e sociais-democratas abriram mão
da ideia da revolução socialista, e depois do próprio socialismo como objectivo
final da sua luta política. Mais à frente, deixaram de lado o projecto de
socialização da propriedade privada, e de eliminação do estado, e no final do
século XX, passaram a atacar as próprias políticas de crescimento, pleno
emprego e protecção social que foram suas principais bandeiras depois da II
Guerra Mundial, e que talvez tenha sido sua principal contribuição ao século
XX.
Por isto, hoje, os socialistas
europeus estão transformados numa caricatura de si mesmos, sem horizonte utópico,
e sem nenhuma capacidade de inovação política, social e intelectual. Um triste
fim para uma utopia e um projecto que fizeram da Europa do século XIX, a
vanguarda revolucionário do mundo.”
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