sábado, 28 de dezembro de 2013

O FUNESTO IMPÉRIO MUNDIAL DAS CORPORAÇÕES





O individualismo, marca registada da sociedade de mercado e do capitalismo como modo de produção e a sua expressão política – o neoliberalismo –, revelam toda a sua força mediante as corporações nacionais e multinacionais. Nelas vigora uma cruel competição dentro da lógica do ganha-perde.

Pensava-se que a crise sistémica de 2008 que afectou pesadamente o coração dos centros económico-financeiros nos USA e na Europa, lá onde a sociedade de mercado é dominante e elabora as estratégias para o mundo inteiro, levasse a uma revisão de rumo. Ainda mais porque não se trata apenas do futuro da sociedade de mercado globalizada, mas da nossa civilização e até da nossa espécie e do sistema-vida.

Muitos, como J. Stiglitz e P. Krugman, esperavam que o legado da crise de 2008 seria um grande debate sobre que tipo de sociedade que queremos construir. Enganaram-se rotundamente. A discussão não se deu. Ao contrário, a lógica que provocou a crise foi retomada com mais furor.

Richard Wilkinson, epidemiologista inglês e um dos maiores especialistas sobre o tema desigualdade foi mais atento e disse, ainda em 2013 numa entrevista ao jornal Die Zeit, da Alemanha: “a questão fundamental é esta: queremos ou não verdadeiramente viver segundo o princípio que o mais forte se apropria de quase tudo e o mais fraco é deixado para trás?”.
Os super-ricos e os super-poderosos decidiram que querem viver segundo o princípio darwinista do mais forte e que se danem os mais fracos. Mas, comenta Wilkinson: “creio que todos temos necessidade de uma maior cooperação e reciprocidade, pois as pessoas desejam uma maior igualdade social”. Esse desejo é intencionalmente negado por esses epulões[1].

Via de regra, a lógica capitalista é feroz: uma empresa engole a outra (eufemisticamente diz-se que fizeram fusões). Quando se chega a um ponto em que só restam apenas algumas grandes, elas mudam a lógica: ao invés de se guerrearem, fazem entre si uma aliança de lobos e comportam-se mutuamente como cordeiros. Assim articuladas detém mais poder, acumulam com mais certeza para si e para os seus accionistas, desconsiderando totalmente o bem da sociedade.

A influência política e económica que exercem sobre os governos, a maioria muito mais fracos que elas, é extremamente constrangedor, interferindo no preço das “commodities”, na redução dos investimentos sociais na saúde, educação, transporte e segurança. Os milhares que ocupam as ruas no mundo intuíram essa dominação de um novo tipo de império, feito sob o lema: “a ganância é boa” e “devoremos o que pudermos devorar”.

Há excelentes estudos sobre a dominação do mundo por parte das grandes corporações multilaterais. Conhecido é o do economista norte-americano David Korten ”Quando as corporações regem o mundo”[2]. Mas fazia falta um estudo de síntese. Este foi feito pelo Instituto Suíço de Pesquisa Tecnológica (ETH), em Zurique, em 2011, o qual se conta entre os mais respeitados Centros de Pesquisa, competindo com MIT. O documento envolve grandes nomes, é curto, não mais de 10 páginas e 26 sobre a metodologia para mostrar a total transparência dos resultados. Foi resumido pelo Professor de economia da PUC-SP Ladislau Dowbor em seu site. Baseamo-nos nele.

De entre as 30 milhões de corporações existentes, o Instituto seleccionou 43 mil para estudar melhor a lógica de seu funcionamento. O esquema simplificado articula-se assim: há um pequeno núcleo financeiro central que possui dois lados; de um, são as corporações que compõe o núcleo e do outro, aquelas que são controladas por ele. Tal articulação cria uma rede de controlo corporativo global. Esse pequeno núcleo (core) constitui uma super-entidade (super entity). Dela emanam os controlos em rede, o que facilita a redução dos custos, a protecção dos riscos, o aumento da confiança e, o que é principal, a definição das linhas da economia global que devem ser fortalecidas e onde.

Esse pequeno núcleo, fundamentalmente de grandes bancos, detém a maior parte das participações nas outras corporações. O topo controla 80% de toda rede de corporações. São apenas 737 actores, presentes em 147 grandes empresas. Aí estão o Deutsche Bank, o J.P. Morgan Chase, o UBS, o Santander, o Goldman Sachs, o BNP Paribas, entre outros tantos. No final menos de 1% das empresas controla 40% de toda rede.

Este facto permite-nos entender agora a indignação dos Occupies e de outros que acusam que 1% das empresas faz o que quer com os recursos suados de 99% da população. Eles não trabalham e nada produzem. Apenas fazem mais dinheiro com dinheiro lançado no mercado da especulação.

Foi esta absurda voracidade de acumular ilimitadamente que gerou a crise sistémica de 2008.

Esta lógica aprofunda cada vez mais a desigualdade e torna mais difícil a saída da crise. Quanta desumanidade aquenta o estômago dos povos?

Como diz Dowbor: “A verdade é que temos ignorado o elefante que está no centro da sala. Ele está a quebrar tudo, cristais, louças e pisando as pessoas. Até quando? O senso ético mundial assegura-nos que uma sociedade não pode subsistir por muito tempo equilibrada sobre a super-exploração, a mentira e a anti-vida.

A grande alternativa é oferecida por David Korten que tem trabalhado com Joanna Macy, uma das mais comprometidas educadoras com o novo paradigma e com um futuro diferente e optimista do mundo. A grande viragem (The Great Turning) dar-se-á com a passagem do paradigma “Império” para o da “Comunidade da Terra”.

O primeiro dominou nos últimos cinco mil anos. Agora chegou ao seu ponto mais baixo de degradação. Uma viragem salvadora é a renúncia ao poder como dominação imperial sobre e contra os outros na direcção de uma convivência de todos com todos na única “Comunidade da Terra”, na qual seres humanos e demais seres da grande comunidade de vida convivem, colaboram e juntos mantém uma Casa Comum hospitaleira e acolhedora para todos. Só nesta direcção poderemos garantir um futuro comum, digno de ser vivido.





[1] 1 Sacerdote que, na antiga Roma, presidia aos festins dos sacrifícios. 2 Aquele que dá um banquete; anfitrião. 3 O que come regaladamente.
[2] When the Corporations rule the World, Berret-Koehler Publisher 1995/2001

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