O título que
Leonardo Boff[1] deu ao
seu post, em 18 de Agosto de 2013, foi “A
extrema arrogância do Império: a espionagem universal”; eu
limito-me a transcrevê-lo:
“O sequestro do
Presidente da Bolívia Evo Morales, impedindo que seu avião sobrevoasse o espaço
europeu e a revelação da espionagem universal por parte dos órgãos de
informação e controle do governo norteamericano (NSA) nos levam a refletir
sobre um tema cultural de graves consequências: a arrogância. Os fatos referidos mostram a que nível chegou a
arrogância dos europeus forçadamente alinhados aos EUA. Somente foi superada
pela arrogância pessoal de Hitler e do nazismo. A arrogância é um tema central
da reflexão grega de onde viemos. Modernamente foi estudada com profundidade
por um pensador italiano com formação em economia, sociologia e psicologia
analítica, Luigi Zoja, cujo livro foi lançado no Brasil: “História da
Arrogância” (Axis Mundi, São Paulo, 2000).
Neste livro
denso, se faz a história da arrogância, nas culturas mundiais, especialmente na
cultura ocidental. Os pensadores gregos (filósofos e dramaturgos) notaram que a
racionalidade que se libertava do mito vinha habitada por um demónio que a
levaria a conhecer e a desejar ilimitadamente, num processo sem fim. Essa
energia tende a romper todos os limites e terminar na arrogância, no excesso e
na desmedida, o verdadeiro pecado que os deuses castigavam impiedosamente. Foi
chamada de hybris: o excesso em qualquer campo da vida humana e de Nemesis o
princípio divino que pune a arrogância.
O imperativo da
Grécia antiga era méden ágan: “nada de excesso”. Tucídides fará
Péricles, o genial político de Atenas, dizer: “amamos o belo mas com
frugalidade; usamos a riqueza para empreendimentos ativos, sem ostentações
inúteis; para ninguém a pobreza é vergonhosa, mas é vergonhoso não fazer o
possível para superá-la”. Em tudo buscavam a justa medida e autocontenção.
A ética
oriental, budista e hindu, pregava a imposição de limites ao desejo. O Tao
Te King já sentenciava: “não há desgraça maior do que não saber se
contentar” (cap.46); “teria sido melhor ter parado antes que o copo
transbordasse” (cap.9).
A
hybris-excesso-arrogância é o vício maior do poder, seja pessoal, seja de um
grupo, de uma ideologia ou de um Império. Hoje essa arrogância ganha corpo no
Império nortemericano que a todos submete e no ideal do crescimento ilimitado
que subjaz à nossa cultura e à economia política.
Esse
excesso-arrogância chegou nos dias atuais a uma culminância em duas frentes:
na vigilância ilimitada que consiste na capacidade de um poder imperial controlar,
por sofisticada tecnologia cibernética, todas pessoas, violar os direitos de
soberania de um país e o direito inalienável à privacidade pessoal. É um sinal de
fraqueza e de medo, pois o Império não consegue mais convencer com argumentos e
atrair por seus ideais.[2]
Então precisa usar a violência direta, a mentira, o desrespeito aos direitos e
aos estatutos consagrados internacionalmente. Ou então as desculpas pífias e
nada convincentes do Secretário de Estado norteamericano quando visitou, há
dias, o Brasil. Segundo os grandes historiadores das culturas, Toynbee e
Burckhard, estes
são os sinais inequívocos da decadência irrefreável dos Impérios.2 Nada do que se funda sobre
a injustiça, a mentira e a violação de direitos se sustenta. Chega o dia de sua
verdade e de sua ruína. Mas ao afundarem causam estragos inimagináveis.
A segunda
frente da hybris-excesso reside no sonho do crescimento ilimitado pela
exploração desapiedada dos bens e serviços naturais. O Ocidente criou e
exportou para todo mundo este tipo de crescimento, medido pela quantidade de
bens materiais (PIB). Ele rompe com a lógica da natureza que sempre se auto regula
mantendo a interdependência de todos com todos e a preservação da teia da vida.
Assim uma árvore não cresce ilimitadamente até o céu; da mesma forma o ser
humano conhece seus limites físicos e psíquicos. Mas esse projeto fez com que o
ser humano impusesse à natureza a sua regulação arrogante que não quer reconhecer
limites: assim consome até adoecer e, ao mesmo tempo procura a saúde total e a
imortalidade biológica. Agora que os limites da Terra se fizeram sentir, pois
se trata de um planeta pequeno e doente, força-o com novas tecnologias a
produzir mais. A Terra se defende criando o aquecimento global com seus eventos
extremos.
Com propriedade
diz Soja: “o crescimento sem fim nada mais é que uma ingénua metáfora da
imortalidade” (p.11). Samuel P. Huntington em seu discutido livro O choque
de Civilizações (Objetiva 1997) afirmava que a arrogância ocidental
constitui “a mais perigosa fonte de instabilidade e de um possível conflito
global num mundo multicivilizacional” (p.397).
Esta
ultrapassagem de todos os limites é agravada pela ausência da razão sensível e
cordial. Por ela lemos emotivamente os dados, escutamos atentamente as
mensagens da natureza e percebemos o humano da história humana, dramática e
esperançadora. A aceitação dos limites nos torna humildes e conectados a todos
os seres. O Império norteamericano, por uma lógica própria da arrogância
dominadora, se distancia de todos, cria desconfianças mas jamais amizade e
admiração.
Termino com um
conto de Leon Tostoi no estilo de João Cabral de Mello Neto: De
quanta terra precisa um homem? Um homem fez um pacto com o diabo: receberia
toda a terra que conseguisse percorrer a pé. Começou a caminhar dia e noite,
sem parar, de vale em vale, de monte em monte. Até que extenuado caiu morto.
Comenta Tostoi: se ele conhecesse seu limite, entenderia que apenas uns metros
lhe bastariam; mais do que isso não precisaria para ser sepultado.
Para serem
admirados os EUA não precisariam mais do que seu próprio território e seu
próprio povo. Não precisariam desconfiar de todos e bisbilhotar a vida de todo
mundo”.
Pouco mais há a dizer.
[1] Leonardo Boff (*1938)
doutorou-se em teologia pela Universidade de Munique. Foi professor de teologia
sistemática e ecuménica com os Franciscanos em Petrópolis e depois professor de
ética, filosofia da religião e de ecologia filosófica na Universidade do Estado
do Rio de Janeiro.
Conta-se entre um dos iniciadores da teologia da
libertação. É assessor de movimentos populares. Conhecido como professor e
conferencista no país e no estrangeiro nas áreas de teologia, filosofia, ética,
espiritualidade e ecologia. Em 1985 foi condenado a um ano de silêncio
obsequioso pelo ex-Santo Ofício, por suas teses no livro Igreja: carisma e
poder (Record).
A partir dos anos 80 começou a aprofundar a questão
ecológica como prolongamento da teologia da libertação, pois não somente se
deve ouvir o grito do oprimido mas também o grito da Terra porque ambos devem
ser libertados. Em razão deste compromisso participou da redacção da Carta da
Terra junto com M. Gorbachev, S.Rockfeller e outros. Escreveu vários livros e
foi agraciado com vários prémios.
[2]
Realce colorido da minha responsabilidade.
Sem comentários:
Enviar um comentário