sexta-feira, 30 de agosto de 2013

A RESPONSABILIDADE SOCIO-AMBIENTAL DAS EMPRESAS




Já se deixou para trás o economicismo do Nobel, Milton Fridman que na “Time” de Setembro de 1970 dizia: “a responsabilidade social da empresa consiste em maximalizar os ganhos dos accionistas”. Mais realista é Noam Chomsky: “As empresas são o que há de mas próximo das instituições totalitárias. Elas não têm que prestar esclarecimento ao público ou à sociedade. Agem como predadoras, tendo como presas as outras empresas. Para se defender, as populações dispõem apenas de um instrumento: o Estado. Mas há no entanto uma diferença que não se pode negligenciar: enquanto, por exemplo, a General Electric, não deve satisfação a ninguém, o Estado deve regularmente explicar-se à população”(em Le Monde Diplomatique Brasil, n. 1, Agosto 2007, p. 6).

Já há décadas que as empresas se deram conta de que são parte da sociedade e que carregam a responsabilidade social no sentido de colaborarem para termos uma sociedade melhor.

Ela pode ser assim definida: A responsabilidade social é a obrigação que a empresa assume de buscar metas que, a meio e longo prazo, sejam boas para ela e também para o conjunto da sociedade na qual está inserida.

Essa definição não deve ser confundida com a obrigação social que significa o cumprimento das obrigações legais e o pagamento dos impostos e dos encargos sociais dos trabalhadores. Isso é simplesmente exigido por lei. Nem significa a resposta social: a capacidade de uma empresa responder às mudanças ocorridas na economia globalizada e na sociedade, como por exemplo, a mudança da política económica do governo, uma nova legislação e as transformações do perfil dos consumidores. A resposta social é aquilo que uma empresa tem que fazer para adequar-se e poder reproduzir-se.

Responsabilidade social vai além disso tudo: o que a empresa faz, depois de cumprir com todos os preceitos legais, para melhorar a sociedade da qual ela é parte e garantir a qualidade de vida e o meio ambiente? Não só que ela faz para a comunidade, o que seria filantropia, mas o que ela faz com a comunidade, envolvendo seus membros com projectos elaborados e supervisionados em comum. Isso é libertador.

Nos últimos anos, no entanto, graças à consciência ecológica despertada pelo desarranjo do sistema-Terra e do sistema-vida surgiu o tema da responsabilidade socio-ambiental. O facto maior ocorreu no dia 2 de Fevereiro de 2007 quando o organismo da ONU que congrega 2.500 cientistas de mais de 135 países, o Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC), após seis anos de pesquisa, deu a público seus dados. Não estamos indo ao encontro do aquecimento global e de profundas mudanças climáticas. Já estamos dentro delas. O estado da Terra mudou. O clima vai variar muito, podendo, se pouco fizermos, chegar até a 4-6 graus Celsius. Esta mudança, com 90% de certeza, é androgénica, quer dizer, é provocada pelo ser humano, melhor, pelo tipo de produção e de consumo que já tem cerca de três séculos de existência e que hoje foi globalizado. Os gases de efeito estufa, especialmente o dióxido de carbono e o metano são os principais causadores do aquecimento global.

A questão que se coloca para as empresas é esta: em que medida elas concorrem para despoluir o planeta, introduzir um novo paradigma de produção, de consumo e de elaboração dos dejectos, em consonância com os ritmos da natureza e a teia da vida e não mais sacrificando os bens e serviços naturais.

Esse é um tema que está sendo discutido em todas as grandes corporações mundiais, especialmente depois do relatório de Nicholas Stern (ex-economista-sénior do Banco Mundial), do relatório do ex-vice presidente dos USA Al Gore, “Uma verdade incómoda” e dos várias Convenções da ONU sobre o aquecimento global. Se a partir de agora não se investirem cerca de 450 mil milhões de dólares anuais para estabilizar o clima do planeta, nos anos 2030-2040 será tarde demais e a Terra entrará numa era das grandes dizimações, atingindo pesadamente a espécie humana. Uma reunião de Julho de 2013 da Agencia Internacional de Energia (AIE) enfatizava que as decisões tem que ser tomadas agora e não em 2020. O ano 2015 é nossa última chance. Depois será tarde demais e iríamos ao encontro do indizível.

Estas questões ambientais são de tal importância que se antepõem à questão da simples responsabilidade social. Se não garantirmos primeiramente o planeta Terra com seus ecossistemas, não há como salvar a sociedade e o complexo empresarial. Portanto: é urgente a responsabilidade socio-ambiental das empresas e dos Estados
Leonardo Boff escreveu: Sustentabilidade: o que é o que não é, Vozes 2012.


terça-feira, 27 de agosto de 2013

O DISCURSO DELES…





Depois das constantes mentiras, dos vis discursos enganadores, das contínuas promessas por cumprir, do malévolo apregoar de miseráveis expectativas, como de boas se tratassem, apeteceu-me chamar os piores nomes a esta corja que tanto mal nos tem feito. O que mais martelava a minha cabeça era a fantasia da ascendência maternal deles. Não que quisesse visar as mães, pois entendo que qualquer mãe (enquanto tal) merece o meu respeito; mas como expressão tradicional do léxico popular (que, em muitos casos até tem uma conotação positiva). Numa inspiração momentânea, “googlei” para ver a abrangência do termo. E – maravilha das maravilhas – encontrei este poema de Alberto Pimenta. É o retrato perfeito. Ora vejam:

Discurso do filho-da-puta
O pequeno filho da puta
é sempre
um pequeno filho da puta;
mas não há filho da puta,
por pequeno que seja,
que não tenha
a sua própria
grandeza,
diz o pequeno filho da puta.
No entanto, há
filhos-da-puta que nascem
grandes e filhos da puta
que nascem pequenos,
diz o pequeno filho da puta.
De resto,
os filhos da puta
não se medem aos
palmos, diz ainda
o pequeno filho da puta.
O pequeno
filho da puta
tem uma pequena
visão das coisas
e mostra em
tudo quanto faz
e diz
que é mesmo
o pequeno
filho da puta.
No entanto,
o pequeno filho da puta
tem orgulho
em ser
o pequeno filho da puta.
Todos os grandes
filhos da puta
são reproduções em
ponto grande
do pequeno
filho da puta,
diz o pequeno filho da puta.
Dentro do
pequeno filho da puta
estão em ideia
todos os grandes filhos da puta,
diz o
pequeno filho da puta.
Tudo o que é mau
para o pequeno
é mau
para o grande filho da puta,
diz o pequeno filho da puta.
O pequeno filho da puta
foi concebido
pelo pequeno senhor
à sua imagem
e semelhança,
diz o pequeno filho da puta.
É o pequeno filho da puta
que dá ao grande
tudo aquilo de que
ele precisa
para ser o grande filho da puta,
diz o
pequeno filho da puta.
De resto,
o pequeno filho da puta vê
com bons olhos
o engrandecimento
do grande filho da puta:
o pequeno filho da puta
o pequeno senhor
Sujeito Serviçal
Simples Sobejo
ou seja,
o pequeno filho da puta.

II

O grande filho da puta
também em certos casos começa
por ser
um pequeno filho da puta,
e não há filho da puta,
por pequeno que seja,
que não possa
vir a ser
um grande filho da puta,
diz o grande filho da puta.
No entanto,
há filhos da puta
que já nascem grandes
e filhos da puta
que nascem pequenos,
diz o grande filho da puta.
De resto,
os filhos-da-puta
não se medem aos
palmos, diz ainda
o grande filho-da-puta.
O grande filho da puta
tem uma grande
visão das coisas
e mostra em
tudo quanto faz
e diz
que é mesmo
o grande filho da puta.
Por isso
o grande filho da puta
tem orgulho em ser
o grande filho da puta.
Todos
os pequenos filhos da puta
são reproduções em
ponto pequeno
do grande filho da puta,
diz o grande filho da puta.
Dentro do
grande filho da puta
estão em ideia
todos os
pequenos filhos da puta,
diz o
grande filho da puta.
Tudo o que é bom
para o grande
não pode
deixar de ser igualmente bom
para os pequenos filhos da puta,
diz
o grande filho da puta.
O grande filho da puta
foi concebido
pelo grande senhor
à sua imagem e
semelhança,
diz o grande filho da puta.
É o grande filho da puta
que dá ao pequeno
tudo aquilo de que ele
precisa para ser
o pequeno filho da puta,
diz o
grande filho da puta.
De resto,
o grande filho da puta
vê com bons olhos
a multiplicação
do pequeno filho da puta:
o grande filho da puta
o grande senhor
Santo e Senha
Símbolo Supremo
ou seja,
o grande filho da puta.”
Poema de Alberto Pimenta

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

NUNCA SIRVAS A QUEM SERVIU…!




Cavaco Silva, por ocasião de cada uma das mortes dos três bombeiros, ‘contactou, através da assessoria para a segurança nacional, os comandantes das três corporações em causa para apresentar condolências às famílias e respetivas corporações e para se inteirar da situação dos feridos’, esclareceu à TSF fonte oficial da Presidência”.

Todavia, o presidente da Associação de Bombeiros Profissionais considerou esta segunda-feira "muito justa a indignação" dos bombeiros "face ao descuido" do Presidente da República na apresentação de condolências às famílias e corporações dos bombeiros que morreram este ano:
“ ‘Há um descuido do Presidente da República perante o que aconteceu’, afirmou Fernando Curto em declarações à Lusa, comparando a atuação de Cavaco Silva perante a morte do economista António Borges e dos três bombeiros que este ano faleceram no combate aos incêndios.
“Para Fernando Curto, esta onda de indignação ‘não representa qualquer miserabilismo’, mas admitiu que os bombeiros têm ‘sentido essa revolta’.
‘Temos também solicitado que se solidarizem com esta indignação que é uma indignação justa perante os bombeiros que já cá não estão’, frisou.” (Fonte)

Ambas as afirmações acima reproduzidas foram feitas hoje, dia 26 de Agosto de 2013. Facilmente se reconhece quem fala verdade… Não quero, nem vou entrar em polémicas de civismo e/ou respeito pelas pessoas desaparecidas; nem sequer pretendo questionar quem era mais “português”: partindo do princípio de que o Presidente é presidente de todos os portugueses, esta discriminação só seria compreensível se houvesse uma diferenciação de valores…

Penso que as respostas a estas cogitações estão nos adágios populares que transcrevo:

- Nunca sirvas a quem serviu, nem nunca peças a quem pediu;
- Mais depressa se apanha um mentiroso do que um coxo;
- Se queres conhecer o vilão, põe-lhe o bordão na mão;
- Peixe podre sal não cura;
- Quem nasce torto, tarde ou nunca se endireita.

Apetece-me, ainda, dizer: desliguem as ventoinhas, porque a porcaria que lá cai fá-los-á cheirar pior…!


sexta-feira, 23 de agosto de 2013

DESTRUIÇÃO DE DOCUMENTOS – Porque não se cumpre a lei?



O PÚBLICO enviou seis questões ao Ministério das Finanças sobre o caso. A tutela de Maria Luís Albuquerque respondeu que não iria fazer comentários.

(Espero que o Público não se quede por esta resposta vaga e de desprezo pelos cidadãos, no direito que estes têm de ser informados…)

Eis as questões:

1. Em que data foram destruídos os papéis de trabalho relativos aos seis processos?

2. A que empresas diziam respeito os mencionados processos?

3. Por que motivo houve papéis de trabalho de outros processos que foram conservados?

4. A Portaria nº 525/2002 estabelece quatro tipos de procedimentos relativos ao controlo do Sector Empresarial do Estado. Em que tipo de procedimento se inserem estes papéis de trabalho?

5. Independentemente do tipo de procedimento, todos têm uma fase activa de três anos, seguindo-se uma fase semiactiva de 17 anos. Nesse sentido, porque foram destruídos logo ao final de três anos?

6. Por que motivo a auditoria interna foi realizada pela própria IGF?


Segundo Heitor Agrochão, Inspector-geral da IGF: “Foram dadas instruções aos chefes de equipa para que os papéis de trabalho fossem destruídos”.

Pergunto eu, na minha ingenuidade:

Que havia de comprometedor nestes papéis que obrigou à sua destruição ilegal e irremediável…?

Quem foi o responsável por esta ordem ilegal?

Independentemente do que possam querer justificar, há um princípio a que não se pode fugir: A responsabilidade é solidária!


Senhora Ministra das Finanças, em último caso, a responsabilidade é sua!


quinta-feira, 22 de agosto de 2013

A CÚRIA ROMANA É REFORMÁVEL?



A Cúria Romana é constituída pelo conjunto dos organismos que ajudam o Papa a governar a Igreja, dentro dos 44 hectares que circundam a basílica de São Pedro. São um pouco mais de três mil funcionários. Nasceu pequena no século XII mas transformou-se num corpo de peritos em 1588 com o Papa Sisto V, forjada especialmente para fazer frente aos Reformadores Lutero, Calvino e outros. Em 1967 Paulo VI e em 1998 João Paulo II tentaram, sem êxito, a sua reforma.

É considerada uma das administrações governativas mais conservadoras do mundo e tão poderosa que praticamente retardou, engavetou e anulou as mudanças introduzidas pelos dois Papas anteriores e bloqueou a linha progressista do Concílio Vaticano II (1962-1965). Incólume, continua como se trabalhasse não para o tempo mas para a eternidade.

Entretanto, os escândalos de ordem moral e financeira ocorridos dentro de seus espaços, foram de tal magnitude que surgiu o clamor de toda Igreja por uma reforma, a ser levada avante, como uma de suas missões, pelo novo Papa Francisco. Como escrevia o príncipe dos vaticanólogos, infelizmente já falecido, Giancarlo Zizola (Quale Papa 1977): “quatro séculos de Contra-reforma haviam quase extinguido o cromossoma revolucionário do cristianismo das origens; a Igreja havia-se estabilizado como um órgão contra-revolucionário” (p.278) e negadora de tudo quanto aparecesse como novo. Num discurso aos curiais no dia 22 de Fevereiro de 1975, o Papa Paulo VI chegou a acusar a Cúria Romana de assumir “uma atitude de superioridade e de orgulho diante do colégio episcopal e do Povo de Deus”.

Combinando a ternura franciscana com o rigor jesuítico, conseguirá o Papa Francisco dar-lhe um outro formato? Sabiamente cercou-se de 8 cardeais experimentados, de todos os continentes, para acompanhá-lo e realizar esta ciclópica tarefa com as purgas que necessariamente deverão ocorrer.

Por detrás de tudo há um problema histórico-teológico que dificulta enormemente a reforma da Cúria. Ele expressa-se por duas visões conflituantes. A primeira, parte do facto de que, depois da proclamação da infalibilidade do Papa em 1870 com a consequente romanização (uniformização) de toda a Igreja, houve uma concentração máxima na cabeça da pirâmide: no Papado com poder “supremo, pleno e imediato” (cânon 331). Isso implica que nele se concentram todas as decisões, cujo fardo é praticamente impossível de ser carregado por uma única pessoa, mesmo com poder monárquico absolutista. Não se acolheu nenhuma descentralização, pois significaria uma diminuição do poder supremo do Papa. A Cúria então fechou-se ao redor do Papa, tornando-o seu prisioneiro, por vezes bloqueando iniciativas desagradáveis ao seu conservadorismo tradicional ou simplesmente engavetando os projectos até serem esquecidos.

A outra vertente conhece o peso do papado monárquico e procura dar vida ao sínodo dos bispos, órgão colegial, criado pelo Concílio Vaticano II, para ajudar o Papa no governo da Igreja Universal. Ocorre que João Paulo II e Bento XVI, pressionados pela Cúria que via nisso uma forma de quebrar o centralismo do poder romano, transformaram-no apenas num órgão consultivo e não deliberativo. Celebra-se a cada dois ou três anos mas sem qualquer consequência real para a Igreja.

Tudo indica que o Papa Francisco, ao convocar 8 cardeais para, com ele e sob sua direcção, proceder à reforma da Cúria, crie um colégio com o qual pretende presidir a Igreja. Oxalá alargue este colégio com representantes não só da Hierarquia mas de todo o Povo de Deus, também com mulheres já que são a maioria da Igreja. Tal passo não parece impossível.

A melhor forma de reformar a Cúria, no juízo de especialistas das coisas do Vaticano e também de alguns hierarcas, seria uma grande descentralização das suas funções. Estamos na era da globalização e da comunicação electrónica em tempo real. Se a Igreja Católica quiser adequar-se a esta nova fase da humanidade, nada melhor do que operar uma revolução organizativa. Porque o dicastério (ministério) da Evangelização dos Povos não pode ser transferido para a África? O do Diálogo Inter-religioso para a Ásia? O de Justiça e Paz para a América Latina? O da Promoção da Unidade dos Cristãos para Genebra, próximo ao Conselho Mundial de Igrejas? E alguns, para as coisas mais imediatas, permaneceriam no Vaticano. Através de videoconferências, skype e outras tecnologias de comunicação, poder-se-ia manter um contacto imediato e diuturno. Desta forma evitar-se-ia a criação de um anti-poder, do qual a Cúria tradicional é grande especialista. Isso tornaria a Igreja Católica realmente universal e não mais ocidental.


domingo, 18 de agosto de 2013

A ARROGÂNCIA DO IMPÉRIO




O título que Leonardo Boff[1] deu ao seu post, em 18 de Agosto de 2013, foi “A extrema arrogância do Império: a espionagem universal”; eu limito-me a transcrevê-lo:


O sequestro do Presidente da Bolívia Evo Morales, impedindo que seu avião sobrevoasse o espaço europeu e a revelação da espionagem universal por parte dos órgãos de informação e controle do governo norteamericano (NSA) nos levam a refletir sobre um tema cultural de graves consequências: a arrogância. Os fatos referidos mostram a que nível chegou a arrogância dos europeus forçadamente alinhados aos EUA. Somente foi superada pela arrogância pessoal de Hitler e do nazismo. A arrogância é um tema central da reflexão grega de onde viemos. Modernamente foi estudada com profundidade por um pensador italiano com formação em economia, sociologia e psicologia analítica, Luigi Zoja, cujo livro foi lançado no Brasil: “História da Arrogância” (Axis Mundi, São Paulo, 2000).
Neste livro denso, se faz a história da arrogância, nas culturas mundiais, especialmente na cultura ocidental. Os pensadores gregos (filósofos e dramaturgos) notaram que a racionalidade que se libertava do mito vinha habitada por um demónio que a levaria a conhecer e a desejar ilimitadamente, num processo sem fim. Essa energia tende a romper todos os limites e terminar na arrogância, no excesso e na desmedida, o verdadeiro pecado que os deuses castigavam impiedosamente. Foi chamada de hybris: o excesso em qualquer campo da vida humana e de Nemesis o princípio divino que pune a arrogância.
O imperativo da Grécia antiga era méden ágan: “nada de excesso”. Tucídides fará Péricles, o genial político de Atenas, dizer: “amamos o belo mas com frugalidade; usamos a riqueza para empreendimentos ativos, sem ostentações inúteis; para ninguém a pobreza é vergonhosa, mas é vergonhoso não fazer o possível para superá-la”. Em tudo buscavam a justa medida e autocontenção.
A ética oriental, budista e hindu, pregava a imposição de limites ao desejo. O Tao Te King já sentenciava: “não há desgraça maior do que não saber se contentar” (cap.46); “teria sido melhor ter parado antes que o copo transbordasse” (cap.9).
A hybris-excesso-arrogância é o vício maior do poder, seja pessoal, seja de um grupo, de uma ideologia ou de um Império. Hoje essa arrogância ganha corpo no Império nortemericano que a todos submete e no ideal do crescimento ilimitado que subjaz à nossa cultura e à economia política.
Esse excesso-arrogância chegou nos dias atuais a uma culminância em duas frentes: na vigilância ilimitada que consiste na capacidade de um poder imperial controlar, por sofisticada tecnologia cibernética, todas pessoas, violar os direitos de soberania de um país e o direito inalienável à privacidade pessoal. É um sinal de fraqueza e de medo, pois o Império não consegue mais convencer com argumentos e atrair por seus ideais.[2] Então precisa usar a violência direta, a mentira, o desrespeito aos direitos e aos estatutos consagrados internacionalmente. Ou então as desculpas pífias e nada convincentes do Secretário de Estado norteamericano quando visitou, há dias, o Brasil. Segundo os grandes historiadores das culturas, Toynbee e Burckhard, estes são os sinais inequívocos da decadência irrefreável dos Impérios.2 Nada do que se funda sobre a injustiça, a mentira e a violação de direitos se sustenta. Chega o dia de sua verdade e de sua ruína. Mas ao afundarem causam estragos inimagináveis.
A segunda frente da hybris-excesso reside no sonho do crescimento ilimitado pela exploração desapiedada dos bens e serviços naturais. O Ocidente criou e exportou para todo mundo este tipo de crescimento, medido pela quantidade de bens materiais (PIB). Ele rompe com a lógica da natureza que sempre se auto regula mantendo a interdependência de todos com todos e a preservação da teia da vida. Assim uma árvore não cresce ilimitadamente até o céu; da mesma forma o ser humano conhece seus limites físicos e psíquicos. Mas esse projeto fez com que o ser humano impusesse à natureza a sua regulação arrogante que não quer reconhecer limites: assim consome até adoecer e, ao mesmo tempo procura a saúde total e a imortalidade biológica. Agora que os limites da Terra se fizeram sentir, pois se trata de um planeta pequeno e doente, força-o com novas tecnologias a produzir mais. A Terra se defende criando o aquecimento global com seus eventos extremos.
Com propriedade diz Soja: “o crescimento sem fim nada mais é que uma ingénua metáfora da imortalidade” (p.11). Samuel P. Huntington em seu discutido livro O choque de Civilizações (Objetiva 1997) afirmava que a arrogância ocidental constitui “a mais perigosa fonte de instabilidade e de um possível conflito global num mundo multicivilizacional” (p.397).
Esta ultrapassagem de todos os limites é agravada pela ausência da razão sensível e cordial. Por ela lemos emotivamente os dados, escutamos atentamente as mensagens da natureza e percebemos o humano da história humana, dramática e esperançadora. A aceitação dos limites nos torna humildes e conectados a todos os seres. O Império norteamericano, por uma lógica própria da arrogância dominadora, se distancia de todos, cria desconfianças mas jamais amizade e admiração.
Termino com um conto de Leon Tostoi no estilo de João Cabral de Mello Neto: De quanta terra precisa um homem? Um homem fez um pacto com o diabo: receberia toda a terra que conseguisse percorrer a pé. Começou a caminhar dia e noite, sem parar, de vale em vale, de monte em monte. Até que extenuado caiu morto. Comenta Tostoi: se ele conhecesse seu limite, entenderia que apenas uns metros lhe bastariam; mais do que isso não precisaria para ser sepultado.
Para serem admirados os EUA não precisariam mais do que seu próprio território e seu próprio povo. Não precisariam desconfiar de todos e bisbilhotar a vida de todo mundo”.

Pouco mais há a dizer.




[1] Leonardo Boff (*1938) doutorou-se em teologia pela Universidade de Munique. Foi professor de teologia sistemática e ecuménica com os Franciscanos em Petrópolis e depois professor de ética, filosofia da religião e de ecologia filosófica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Conta-se entre um dos iniciadores da teologia da libertação. É assessor de movimentos populares. Conhecido como professor e conferencista no país e no estrangeiro nas áreas de teologia, filosofia, ética, espiritualidade e ecologia. Em 1985 foi condenado a um ano de silêncio obsequioso pelo ex-Santo Ofício, por suas teses no livro Igreja: carisma e poder (Record).
A partir dos anos 80 começou a aprofundar a questão ecológica como prolongamento da teologia da libertação, pois não somente se deve ouvir o grito do oprimido mas também o grito da Terra porque ambos devem ser libertados. Em razão deste compromisso participou da redacção da Carta da Terra junto com M. Gorbachev, S.Rockfeller e outros. Escreveu vários livros e foi agraciado com vários prémios.
[2] Realce colorido da minha responsabilidade.

CATILINÁRIAS



 Para o PM, a Constituição da República não é para ser cumprida; é para ser utilizada enquanto servir os seus interesses pessoais. Ou melhor, é para ser usada, se não colidir com os interesses dos “estrangeiros caridosos que nos auxiliam” – a nova ordem mundial, aqui representada pela Troika. Para o PM de Portugal, a lei fundamental tem pouco interesse e não deverá ser respeitada se chocar com as conveniências dos “seus amos e senhores”.

Como escreve Carlos Esperança no seu post do “Ponte Europa”:
Há em Passos Coelho uma vertigem demencial que não pode ser apenas atribuída à falta de cultura democrática e ao défice de preparação. Há de haver o ódio ao 25 de Abril e o ressentimento de retornado na obstinada deriva em que faz a síntese de Mohamed Said Al-Sahaf, o ministro da propaganda de Saddam, e do major Silva Pais, último diretor da PIDE/DGS, para quem as leis ou serviam ao regime ou não serviam para coisa alguma.
A chantagem sobre o Tribunal Constitucional é igual à conduta de Mohamed Morsi que, eleito também democraticamente, cedo ignorou o limite dos poderes que a Constituição lhe conferia e logo coartou os direitos dos cidadãos.”
Até quando suportaremos as “catilinisses” deste eminente representante da juventude partidária a que pertenceu – a sua única e irrelevante escola do saber político –, onde aprendeu a colar cartazes e a reverenciar os títulos académicos dos potenciais exemplos não seguidos. É muito pouco para se ser PM; mas é, sem dúvida, mais que suficiente para exercer a vingança (fria, gelada) sobre aqueles que conquistaram a liberdade e instituíram a democracia.

Até quando aguentaremos…?

No ano 63 a.C., Lucio Sergio Catilina, filho de família nobre, embora falido financeiramente, planeava derrubar o governo republicano juntamente com seus seguidores subversivos, para obter riquezas e poder. Todavia, houve quem o afrontasse de forma eloquente – Marcus Tullius Cícero[1] – acusando-o e denunciando-o por várias vezes, no Senado:
Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? Quamdiu etiam furor iste tuus nos eludet? Quem ad finem sese effrenata iactabit audacia?
Traduzindo:
Até quando, enfim, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda esse teu rancor nos enganará? Até que ponto a (tua) audácia desenfreada se gabará (de nós)?

Quousque tandem abutere, Petrus Leporinus, patientia nostra? Quamdiu etiam furor iste tuus nos eludet? Quem ad finem sese effrenata iactabit audacia?




[1] Ainda hoje são repetidas as sentenças acusatórias de Cícero contra Catilina, declaradas em pleno senado romano.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

OS DONOS DA BOLA



Será que estes “rapazinhos” não têm quem os eduque? Nem sequer os trabalhos de casa sabem fazer…!

Mas, como são os “detentores do poder” (vulgarmente dito, “são os donos da bola”), resolveram propor um conjunto de 15 “mestres” para fazerem o trabalho que a eles competiria. Não interessa se o país gasta mais ou menos dinheiro com esta decisão – Não lhes interessa (nem sabem fazê-lo…)! Não são eles que pagam…!

Apesar da aparente mais-valia dada pelos títulos académicos que ostentam (diferente dos de Miguel Relvas, embora sem relevância prática), não se livraram do valente puxão de orelhas que a União Europeia lhes deu. “A quatro meses da abertura do próximo quadro de financiamento europeu (2014/20), o Governo português viu o seu primeiro documento de trabalho literalmente arrasado pelos técnicos da Comissão Europeia (CE), que acompanham os trabalhos de preparação dos programas de cada país”. (Sol)

Não é tudo! “A direcção-geral da Comissão Europeia é clara ao dizer que o draft entregue pelo Executivo ‘é ainda muito incompleto’, faltando-lhe questões chave. E lamenta que nem ‘incorpore recomendações centrais feitas pelos serviços da Comissão’. Por isso, a recomendação que seguiu para Lisboa foi no sentido de uma ‘revisão substancial’ da estratégia discutida em Bruxelas, numa reunião preparatória a 16 de Julho”.

E acrescenta, ainda, David Dinis no seu artigo do Sol: “Tratando-se de um documento com sugestões, os técnicos europeus fizeram um verdadeiro guião para as executar. Algumas são estruturais. Exemplos: que o tipo de apoios previstos para Investigação & Desenvolvimento sejam ‘profundamente reorientados’; que aspectos ligados às políticas de transportes e aposta na economia do mar sejam aprofundadas; que as funções do Banco de Fomento (previsto para início de 2014) sejam detalhadas; que seja explicitado como se pode facilitar financiamento às PME; que se passe das ‘vagas intenções’ em domínios como a adaptação profissional dos trabalhadores às necessidades da economia.”

Eles são as trapalhadas com os SWAPS, com os Briefings (bissemanais, mas que se farão ocasionalmente, ou de mês a mês), as demissões que o não foram, o crescimento de 1,1% que representa, homologamente, um decréscimo de 2%, e… eu sei lá que mais enunciar…

Que sejam incompetentes, incultos, irresponsáveis, impreparados, levianos, infantis, amadores, ainda vá que não vá; o problema é deles. Mas que o sejam no desempenho das suas funções e, além de mais, mentirosos… isto não se pode admitir.

O tempo da escola já passou; aí talvez se pudesse admitir tais atitudes, pois confundir-se-ia com a irreverência da juventude. O grave, é que está nas mãos deles os desígnios de um povo; são os responsáveis da miséria (já sem remédio) a que grande parte do país está condenado; são os ladrões dos sonhos de uma juventude sem futuro.

Eles podem ser os “donos da bola” e tentarem que se jogue segundo as regras deles… Obrigado, mas nós já não queremos jogar!

Isto não é uma brincadeira nem a “aventura de ir ao pote”…!

Chega! Basta!

Temos fome de liberdade e sede de justiça!


terça-feira, 13 de agosto de 2013

PRESSÁGIO QUEIROZIANO




Não quero jurar, mas estou suficientemente convicto de que Eça de Queiroz, quando escreveu o texto a seguir, não se referia ao governo de Portugal dos últimos dois anos; simplesmente – conhecedor das características oportunistas deste tipo de políticos –, sabia que o escrito em 1867 seria válido para 2013…



ORDINARIAMENTE todos os ministros são inteligentes, escrevem bem, discursam com cortesia e pura dicção, vão a faustosas inaugurações e são excelentes convivas. Porém, são nulos a resolver crises. Não têm a austeridade, nem a concepção, nem o instinto político, nem a experiência que faz o ESTADISTA. É assim que há muito tempo em Portugal são regidos os destinos políticos. Política de acaso, política de compadrio, política de expediente. País governado ao acaso, governado por vaidades e por interesses, por especulação e corrupção, por privilégio e influência de camarilha, será possível conservar a sua independência?” (In “O Distrito de Évora”, 1867)

O que diria, hoje, depois de ver as figuras tristes protagonizadas com os SWAPS…? Com os relatórios que deveriam estar prontos em Maio e, 3 meses depois, continuam reféns da Ministra das Finanças…? Com as tristes figuras dos “briefings”…? Com o academismo[1] (neste caso em ambas as conotações do termo) evidenciado pelo Ministro Maduro…? Com… com tudo… com o facto de ainda serem governo…?

Uma coisa é certa: O texto de Eça está actual…!




[1] Falta de originalidade; Estilo académico.

domingo, 11 de agosto de 2013

VENDE TUDO O QUE TENS!…




O Papa Francisco tem-me surpreendido bastante. Parece que, passados cerca de 1800 anos, retomou a linha evangélica cristã: a linha do amor, da fraternidade e da partilha. Quero crer que é um sentimento genuíno e que não se apoia numa estrutura de poder, como a que foi mantida até agora, desde a queda do Império Romano. De certa forma, foi a estrutura que, até há bem pouco, substituiu este Império.

Ao pensar nesta hipótese de “vender tudo o que tem e dar a quem necessita” assume-me à mente algumas questões:

A primeira questão é quem vende…?
Deverá o Papa Francisco vender o IOR (Banco do Vaticano), ou mesmo o Vaticano ou, ainda, todos os bens que a Igreja possui…? Se não tiver competências para tal (quero crer que assim seja), quem venderá…? E em outros países…?

A segunda questão é quando…?
Começamos já hoje, ou esperar-se-á até amanhã, calculando os preços e os juros…? Não haveria, nos seus membros, alguém que cumprisse esta “missão”, procurando descontos, interpretações espiritualistas que justificassem a posse, subterfúgios de diversos tipos…? Quando fazê-lo…?

A terceira questão é a quem, como e para quê…?
Poder-se-ia “vender para dar aos pobres” (superando assim um determinado tipo de egoísmo); mas, quem compra seriam normalmente os “abutres” económicos que se aproveitariam da venda (naturalmente não especulativa) e continuariam amontoando mais riquezas sobre as anteriores; esta situação faria com que (de um modo indirecto) se contribuísse para que a injustiça social se avolumasse, a exploração aumentasse e, de certa forma, contribuiria  ainda para que o mundo fosse mais injusto.

Quero acreditar que Francisco, se entretanto não for assassinado, possa propor ao mundo uma solução que não enfraqueça ainda mais a dependência dos oprimidos. Quero acreditar que, desta vez (conscientemente, ou não) a Igreja não vá colocar-se ao lado dos opressores…!