A maior desgraça que nos tombou em cima não foi a crise económica, nem
tampouco a incapacidade de vermos a luz ao fundo do túnel; a maior desgraça é
sermos incapazes de idealizar uma alternativa distinta daquela em que vivemos.
Todas as propostas para corrigir o problema partem sempre da base de não se
mudar o modelo – o sistema –, e essa é a desgraça que nos impede de sair da
situação em que nos encontramos. O capitalismo
injectou-nos um “senso comum” que nos incapacita para pensar outra coisa que não
seja o capitalismo. Tudo nos leva a
crer que a economia é uma realidade alheia ao social, à ética, à política ou à
religião, que pode funcionar sem necessidade de considerar questões sobre se é
lícito ou não fazer isto ou aquilo, o que se pode fazer ou não, etc.. O único
sentido que rege a economia é a maximização do benefício e a minimização do
esforço; qualquer outra questão fica fora do âmbito económico. Um economista
seria algo assim como um ser racional que pesaria as opções de obter benefícios
em função das opções que lhe oferece o mercado, sem se quedar para pensar em
mais nada que não fossem os limites impostos pelas leis – leis que cada vez
menos valor têm no mundo da economia, provocado pela eliminação das regras nessa
área. Deste modo, um ser racional só deveria procurar o máximo benefício, que é
o “senso
comum” da economia capitalista, isto é, o “sem sentido” que nos
levou à situação actual.
Em 1910, um pregador e economista britânico, digno sucessor daquela
magnífica escola de pensamento – quando ainda não se tinha separado a economia
da ética e da moral –, atingiu o ponto do fundamento da economia capitalista.
Chamou-lhe o “Senso Comum da Economia Política”: Philip H. Wicksteed, The
common Sense of Political Economy (Londres 1910). É uma obra em dois volumes
onde deixa claro que a economia não é algo alheia às restantes realidades
humanas, porém alerta para a mudança radical que esperava a economia dos anos
20 do século passado.
A chave para entender a economia capitalista não é apelidá-la de
egoísta; não é o egoísmo, a fixação no benefício próprio, o que fundamenta a
economia, é a indiferença pelo outro concreto, aquele que está do outro lado do
intercâmbio económico, que está na base do capitalismo – é a total indiferença
pelos outros.
O capitalismo é muito pior do que aquilo que possamos pensar. O problema
não é o homem capitalista que vive encerrado nos seus desejos e apetites, é o
facto de viver da negociação do outro e, principalmente, da sua anulação.
Podemos ver duas passagens que ilustram o pensamento de Wicksteed:
- Book I, Ch.5.
24: The specific characteristic of an economic relation is not its “egoism,”
but its “non-tuism”.
- Book I, Ch.5.
25: That is to say, since a man, when he is doing business, is generally
only thinking of his own bargain, and how to deal with his correspondent, and
not of any one else at all, the exclusion of “tu” is tantamount to the
solitary survival of “ego”. So that, after all, “altruism” has no place in
business, and “non-tuism” is equivalent to “egoism”.
Como vemos, no
capitalismo, a exclusão do “Tu” é equivalente à sobrevivência do Eu, é a
possibilidade de ser “homo œconomicus”. Não há lugar para o altruísmo nos
negócios, mas sim para a negação do outro como fundamento do Eu Económico. O Senso Comum capitalista é algo muito estranho para ser de um homem
normal, deve ser forçado para que o aceite, para que aceite que o “seu Ser” cresça quando o nega a outros,
que o “Seu Eu” não seja um projecto
comum que se insere na história, na sociedade e num mundo equânimo. O grande
mal que nos transmite o capitalismo não é só o egoísmo, é o não-tuísmo e a
negação do outro. O capitalismo é a descendência económica dum projecto de ruptura da modernidade cartesiana e com ele deve morrer.
O verdadeiro e único
sentido comum humano é o que está ligado a um mundo natural que é a sua base e
o seu assento mais seguro; é ser-se filho de um povo, com uma história e um
projecto de amor vinculado e relacional. O Senso
Comum humano expressa-se nas tradições e nos ensinamentos dos povos: não
tomar mais do que se precisa, respeitar os outros, dar quando sobra e não pedir
quando não necessita. Por último, o Senso
Comum humano corresponde a uma sabedoria ancestral que nos foi transmitida
evolutivamente e cuja negação ou atentado nos tirará deste planeta. Há uma
contradição essencial entre o que é humano e o capitalismo que se pretende
elevar a uma gama de legalidade máxima. É necessário e urgente destruir-se o
capitalismo como Sistema Económico e Social. Ou eliminamos o capitalismo ou
este nos eliminará a nós.
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