Não vou falar deste governo, de Paulo Portas, de Passos Coelho
(e da sua “refundação”), desta maioria parlamentar (para lamentar) e de tudo o que os cerca...
Para esses, já dei…!
Quero contribuir, a exemplo do que fez o meu sogro José
Morais nos últimos anos da sua vida (e em sua memória), com uma pequena
reflexão sobre A revolução do “Sistema
Igreja”.
Podemos não ser cristãos nem professar qualquer outra
religião, contudo, teremos que reconhecer que a sociedade ocidental deve muito
às religiões muçulmana e judaica – no âmbito das ciências – principalmente
durante a grande noite das trevas que foi a Idade Média; mas, muito mais
devemos à religião Cristã no âmbito das artes: a pintura, a escultura, a
arquitectura, a música, a literatura, etc. Para tanto, bastará pensar na
grandiosidade que foi o desenvolvimento da arte sacra ao longo da história e,
com maior relevo, o grande movimento renascentista iniciado no Século XV, através
dos grandes “revolucionários” da arte como por exemplo: Botticelli, Fra
Angélico, Leonardo da Vinci, Masaccio, Piero della Francesca, Jan Van Eyck, Jan
Gossaert Mabuse, Rafael Sanzio, El Greco, Donatello, Filippo Brunelleschi, Michelangelo,
Giambologna, Donatello, Verrocchio, Francesco Laurana, Jacopo della Quercia,
Guillaume Dufay, Gilles Binchois, Sir William Hawte, John Browne, Brunelleschi,
Donato Bramante, Christopher Wren, Andrea Palladio, e tantos outros.
As revoluções não se fazem necessária e obrigatoriamente com
armas. Exemplo é o que se está a passar na Igreja Católica com a intervenção
deste Papa.
É neste sentido que penso (e quero acreditar) que podemos
estar a assistir ao início de uma nova revolução social – do Sistema Igreja.
O Sistema
político-económico necessita de líderes vencedores: uma cúpula
implacável, penetrante, sempre renovada, de funcionários que não valem nem prestam
para nada, senão para o “Dono”. Ao
sistema não lhe importam os homens e muito menos os pobres (que não investem,
nem compram), pois todas as pessoas (funcionários ou não) se substituem, em
função do bom funcionamento e produção da máquina-sistema.
Estes funcionários, impessoais e eficazes, são Servos a
soldo do capital, da empresa e do mercado, e o seu trabalho
implica a eliminação e morte de milhões de pessoas, ignorados e excluídos, para
bem dos privilegiados, os quais, por fim, tão-pouco importam, pois que só o sistema importa.
A Igreja não deveria necessitar de funcionários eficientes,
nem de quadros-superiores (cf. Mc 9,33-37; 10,32-45) à maneira do sistema político-económico, pois não procura
a eficácia administrativa ou económica do capital e do mercado, mas,
tão-somente o encontro pessoal e directo com os homens (na linha dos
ensinamentos de Jesus). Nessa linha, os ministros cristãos devem estar sempre
abertos a todos, especialmente aos carentes de amor e de dignidade, aos
excluídos do sistema político-económico,
para os quais abre um espaço e um caminho. Por isso não deverá querer o
dinheiro de César e o seu imposto (cf. Mc 12, 13-17), nem o dinheiro do rico
que procura Jesus (cf. Mc 10, 17-22), pois a sua tarefa de comunicação entre os
crentes (homens e mulheres), na Igreja, se situa a um nível de gratuitidade.
Funcionários e
ministros
Aceita-se e compreende-se que a Igreja Católica tenha
acabado, ao longo dos tempos, por ser contaminada pelo ambiente sacramental e
cultural que a envolvia; todavia, ao fazê-lo correu o grave risco de perder a
sua identidade messiânica, tornando-se num sistema
sagrado. A burocracia sacerdotal da igreja foi imposta sob a influência do
ambiente hierárquico judeu e helenista (romano), e assim se organizaram os
ministérios como “ordens” de caracter sagrado – distinguindo a hierarquia, dos
leigos –, e aplicando aos superiores hierárquicos (especialmente bispos) uma
categoria ontológica do tipo sacerdotal, própria do Antigo Testamento e do
ambiente pagão, mas não do Evangelho.
Alguns “ministros” funcionários da Igreja actuam como
herdeiros dos funcionários hierárquicos romanos, a fim de manter a paz numa
população civil ameaçada, controlando e compartilhando o poder dos reis, como
impulsionadores e garantes da nova sociedade ocidental.
Estes “ministros sagrados”,
estabelecidos como hierarquia, configuraram a história da Europa, até à chegada
do modelo funcional e burocrático moderno.
Eram eficazes. Mas, mais que a sua forma de trabalhar,
importava o seu ser (o seu valor ontológico sagrado): assim se guindaram como
classe eleita, inviolável, nobreza espiritual de auréola divina a príncipes de
um mundo que só se preocupa com principados. A Igreja Católica mantém,
teoricamente, esse modelo e, desta forma, os seus ministros (principalmente os
bispos) interpretam o modo de funcionar.
Os “ministros” de Jesus deveriam, tão-só, servir os homens e
mulheres com transparência amorosa da sua vida.
A tradição, posterior ao próprio Evangelho, sacralizou o
clero hierárquico a tal ponto que só pode haver eucaristia com um ministro “ordenado”
de forma institucional. A tradição “inverteu” a experiência de Jesus e da
Igreja primitiva que começava pelas diversas localidades (círculos de cristãos)
a nomearem os seus próprios ministros. É, talvez, chegado o momento de inverter
esta “inversão”, de modo a que o conjunto da Igreja (e não só a hierarquia)
recupere a sua liberdade criadora, o seu sacerdócio de base.
Como diz Xabier Pikaza Ibarrondo no seu blogue,
é fundamental recuperar esse sacerdócio de base para que, sempre que um grupo
de cristãos se reúna, de boa-fé, em nome de Cristo, escute a sua palavra e
invoque a sua memória no pão e no vinho partilhado, se possa e se deva afirmar
que existe eucaristia, encarnação sacramental de Deus por Cristo, Igreja. Da
forma como está instituída actualmente, essa eucaristia não será oficial se não
estiver presente o bispo ou o padre em nome da igreja hierárquica.
O modelo actual da igreja hierárquica e burocrática, como
cúpula sacramental que garante a unidade e a missão cristã, é secundário, para que
se possa recuperar de novo a liberdade das primeiras igrejas cristãs que
celebravam por si mesmas a eucaristia, em comunhão com outras igrejas
(localidades, freguesias, concelhos, etc.). Nessa linha, a Grande Igreja só pode entender-se na forma de comunhão de
comunidades autónomas, que aprendam a celebrar por si mesmas, escolhendo os
seus próprios ministros.
É de supor que os bispos e presbíteros tenham vocação
pessoal ligada à palavra de Cristo e ao “ministério” da Igreja; porém, a forma
como se “ajeitam” a receber honras de “casta
superior” faz com que corram o risco de se tornarem quadros superiores
descaracterizados de uma burocracia
centrada em Roma (Vaticano).
Este processo de burocratização faz parte da identidade do
Ocidente, que se foi consolidado na Igreja, como entidade cultural e social
diferenciada, a partir dos Séculos XI e XII, influenciando os modernos estados
europeus com a sua dominação “legal”.
Como era inevitável, entre a Igreja e os estados surgiram
conflitos de competência, de tal forma que ambos os “poderes” (religioso e
secular) se mantiveram em crises permanentes de utilização e adversidades
mútuas, desde as investiduras (Séc. XI – XII), passando pelas disputas
conciliares (Séc. XV), até à ruptura protestante e às guerras posteriores (Séc.
XVI – XVII). A culminar este cenário real, surge, a partir do Séc. XVIII, a
ilustração racional, com a institucionalização da ciência e do capitalismo. O
resultado daquelas lutas e processos somos nós, os ocidentais, com um passado cristão, um presente de
globalização neoliberal e um futuro de comunicação gratuita ou de destruição
massiva.
O Papa Francisco está, segundo a minha humilde opinião, no
caminho certo para a realização desta revolução. Tem o saber dos Jesuítas, a
humildade dos Franciscanos, a força do Evangelho e a coragem da Fé.
Não há respostas dadas, mas um caminho comum, não esquecendo
o passado, mas sem o fechar, retornando ao mar largo do Evangelho, para
entender a tradição e recriar a missão da Igreja. Neste contexto, para entender
melhor a mudança necessária a operar.
Convém, ainda, relembrar a necessidade de abolir o “esquema das clientelas”. Esta forma de
actuar foi importante no Império Romano. Aí, para mostrar a sua grandeza, os
patronos de ordem superior (Senadores, Nobres…) e os novos-ricos procuravam os
serviços de um determinado tipo de clientes que os apoiavam e, em compensação,
recebiam os seus benefícios. Este esquema, aparentemente terminado (pelo menos
em sentido histórico), mantém-se em certas posturas eclesiásticas, como se os
leigos fossem clientes de uma hierarquia, da qual recebiam serviços
espirituais.
Num mundo multiforme, onde as igrejas perderam a sua função
oficial (apesar das concordatas), os clientes religiosos têm cada vez mais
capacidade e vontade em eleger os ofícios sagrados e os patronos-ministros que
melhor respondam às suas necessidades e opções, convertendo, assim, os serviços
religiosos num supermercado.
Logicamente, o mercado religioso deve cuidar e programar as suas ofertas,
dentro dos grupos (religiões, igrejas, seitas…), para manter e aumentar as suas
vendas. Mas, isso não é Evangelho.
Este sistema existia já na queda do império romano quando, ressequida
e quase morta a religião tradicional, se multiplicaram as ofertas orientais,
cultos misteriosos e grupos gnósticos, que acabaram por ser incapazes de saciar
a sede do povo.
As crises de então
deram origem ao triunfo do Cristianismo no Ocidente.
A Igreja Católica tem vindo a falar, desde há algum tempo,
da necessidade de uma nova evangelização. Mas tudo parece indicar que os “poderosos da Igreja” não querem que se
realize aquilo que apregoam. É normal procederem assim – perderiam privilégios.
Mas, o problema pode, também, estar na forma como se divulga
o Evangelho que não responde à mensagem de Cristo, nem aos sinais dos tempos. O
problema pode ainda ser dos mensageiros e da forma como o divulgam.
Num encontro com o Conselho Pontifício para os Leigos, que
durante os últimos dias realizaram um simpósio sobre o tema, o Papa Francisco
analisou as novas vias de divulgação do Evangelho.
“Entre as possibilidades
que oferece a comunicação digital, a mais importante é a da evangelização
[mas], o anúncio [do evangelho] baseia-se em relações humanas autênticas e
directas para desembocar num encontro pessoal com o Senhor”, assegurou o
pontífice.
Francisco advertiu, não obstante, que “não se pode dizer que a presença da Igreja na internet seja inútil”.
“É indispensável estar
presente, sempre com estilo evangélico, nisto [internet], que sobretudo para os jovens, se converteu
numa espécie de forma de vida, o lugar em que despertam as perguntas que têm no
coração sobre o sentido da existência”, acrescentou.
O Papa advertiu ainda que os cristãos podem desiludir-se e
deparar-se com perigos e “moedas falsas” na internet, mas recordou que haverá “preciosas possibilidades para guiar os
homens até [...] Jesus”. (Ver
aqui)
As revoluções, no Século XXI, fazem-se com o apoio das novas
tecnologias e das redes sociais para, rapidamente, cortarem com todo o passado
mesquinho, corrupto e oportunista.
Uma revolução para ser eficaz e para bem das pessoas é
sempre um acto romântico, de abnegação e de coragem.
Como escreveu Leonardo
Boff:
“Até aqui falamos do
factor religioso na sua natureza sadia. Mas ele pode ficar doente. Daí nasce a doença do fundamentalismo, do
dogmatismo e da exclusividade da verdade. Mas toda doença remete à saúde. O
factor religioso deve ser analisado a partir da sua saúde e não da sua doença.
Então o factor religioso sadio torna-nos mais sensíveis e humanos. A sua volta
sadia é urgente hoje, pois ajuda-nos a amar o invisível e tornar real aquilo
que ainda não o é, mas pode vir a ser”.
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