domingo, 2 de fevereiro de 2014

REFUNDAÇÃO




Não vou falar deste governo, de Paulo Portas, de Passos Coelho (e da sua “refundação”), desta maioria parlamentar (para lamentar) e de tudo o que os cerca...

Para esses, já dei…!

Quero contribuir, a exemplo do que fez o meu sogro José Morais nos últimos anos da sua vida (e em sua memória), com uma pequena reflexão sobre A revolução do “Sistema Igreja”.

Podemos não ser cristãos nem professar qualquer outra religião, contudo, teremos que reconhecer que a sociedade ocidental deve muito às religiões muçulmana e judaica – no âmbito das ciências – principalmente durante a grande noite das trevas que foi a Idade Média; mas, muito mais devemos à religião Cristã no âmbito das artes: a pintura, a escultura, a arquitectura, a música, a literatura, etc. Para tanto, bastará pensar na grandiosidade que foi o desenvolvimento da arte sacra ao longo da história e, com maior relevo, o grande movimento renascentista iniciado no Século XV, através dos grandes “revolucionários” da arte como por exemplo: Botticelli, Fra Angélico, Leonardo da Vinci, Masaccio, Piero della Francesca, Jan Van Eyck, Jan Gossaert Mabuse, Rafael Sanzio, El Greco, Donatello, Filippo Brunelleschi, Michelangelo, Giambologna, Donatello, Verrocchio, Francesco Laurana, Jacopo della Quercia, Guillaume Dufay, Gilles Binchois, Sir William Hawte, John Browne, Brunelleschi, Donato Bramante, Christopher Wren, Andrea Palladio, e tantos outros.
As revoluções não se fazem necessária e obrigatoriamente com armas. Exemplo é o que se está a passar na Igreja Católica com a intervenção deste Papa.
É neste sentido que penso (e quero acreditar) que podemos estar a assistir ao início de uma nova revolução social – do Sistema Igreja.

O Sistema político-económico necessita de líderes vencedores: uma cúpula implacável, penetrante, sempre renovada, de funcionários que não valem nem prestam para nada, senão para o “Dono”. Ao sistema não lhe importam os homens e muito menos os pobres (que não investem, nem compram), pois todas as pessoas (funcionários ou não) se substituem, em função do bom funcionamento e produção da máquina-sistema.
Estes funcionários, impessoais e eficazes, são Servos a soldo do capital, da empresa e do mercado, e o seu trabalho implica a eliminação e morte de milhões de pessoas, ignorados e excluídos, para bem dos privilegiados, os quais, por fim, tão-pouco importam, pois que só o sistema importa.
A Igreja não deveria necessitar de funcionários eficientes, nem de quadros-superiores (cf. Mc 9,33-37; 10,32-45) à maneira do sistema político-económico, pois não procura a eficácia administrativa ou económica do capital e do mercado, mas, tão-somente o encontro pessoal e directo com os homens (na linha dos ensinamentos de Jesus). Nessa linha, os ministros cristãos devem estar sempre abertos a todos, especialmente aos carentes de amor e de dignidade, aos excluídos do sistema político-económico, para os quais abre um espaço e um caminho. Por isso não deverá querer o dinheiro de César e o seu imposto (cf. Mc 12, 13-17), nem o dinheiro do rico que procura Jesus (cf. Mc 10, 17-22), pois a sua tarefa de comunicação entre os crentes (homens e mulheres), na Igreja, se situa a um nível de gratuitidade.

Funcionários e ministros
Aceita-se e compreende-se que a Igreja Católica tenha acabado, ao longo dos tempos, por ser contaminada pelo ambiente sacramental e cultural que a envolvia; todavia, ao fazê-lo correu o grave risco de perder a sua identidade messiânica, tornando-se num sistema sagrado. A burocracia sacerdotal da igreja foi imposta sob a influência do ambiente hierárquico judeu e helenista (romano), e assim se organizaram os ministérios como “ordens” de caracter sagrado – distinguindo a hierarquia, dos leigos –, e aplicando aos superiores hierárquicos (especialmente bispos) uma categoria ontológica do tipo sacerdotal, própria do Antigo Testamento e do ambiente pagão, mas não do Evangelho.
Alguns “ministros” funcionários da Igreja actuam como herdeiros dos funcionários hierárquicos romanos, a fim de manter a paz numa população civil ameaçada, controlando e compartilhando o poder dos reis, como impulsionadores e garantes da nova sociedade ocidental.
Estes “ministros sagrados”, estabelecidos como hierarquia, configuraram a história da Europa, até à chegada do modelo funcional e burocrático moderno.
Eram eficazes. Mas, mais que a sua forma de trabalhar, importava o seu ser (o seu valor ontológico sagrado): assim se guindaram como classe eleita, inviolável, nobreza espiritual de auréola divina a príncipes de um mundo que só se preocupa com principados. A Igreja Católica mantém, teoricamente, esse modelo e, desta forma, os seus ministros (principalmente os bispos) interpretam o modo de funcionar.
Os “ministros” de Jesus deveriam, tão-só, servir os homens e mulheres com transparência amorosa da sua vida.
A tradição, posterior ao próprio Evangelho, sacralizou o clero hierárquico a tal ponto que só pode haver eucaristia com um ministro “ordenado” de forma institucional. A tradição “inverteu” a experiência de Jesus e da Igreja primitiva que começava pelas diversas localidades (círculos de cristãos) a nomearem os seus próprios ministros. É, talvez, chegado o momento de inverter esta “inversão”, de modo a que o conjunto da Igreja (e não só a hierarquia) recupere a sua liberdade criadora, o seu sacerdócio de base.
Como diz Xabier Pikaza Ibarrondo no seu blogue, é fundamental recuperar esse sacerdócio de base para que, sempre que um grupo de cristãos se reúna, de boa-fé, em nome de Cristo, escute a sua palavra e invoque a sua memória no pão e no vinho partilhado, se possa e se deva afirmar que existe eucaristia, encarnação sacramental de Deus por Cristo, Igreja. Da forma como está instituída actualmente, essa eucaristia não será oficial se não estiver presente o bispo ou o padre em nome da igreja hierárquica.
O modelo actual da igreja hierárquica e burocrática, como cúpula sacramental que garante a unidade e a missão cristã, é secundário, para que se possa recuperar de novo a liberdade das primeiras igrejas cristãs que celebravam por si mesmas a eucaristia, em comunhão com outras igrejas (localidades, freguesias, concelhos, etc.). Nessa linha, a Grande Igreja só pode entender-se na forma de comunhão de comunidades autónomas, que aprendam a celebrar por si mesmas, escolhendo os seus próprios ministros.
É de supor que os bispos e presbíteros tenham vocação pessoal ligada à palavra de Cristo e ao “ministério” da Igreja; porém, a forma como se “ajeitam” a receber honras de “casta superior” faz com que corram o risco de se tornarem quadros superiores descaracterizados de uma burocracia centrada em Roma (Vaticano).
Este processo de burocratização faz parte da identidade do Ocidente, que se foi consolidado na Igreja, como entidade cultural e social diferenciada, a partir dos Séculos XI e XII, influenciando os modernos estados europeus com a sua dominação “legal”.
Como era inevitável, entre a Igreja e os estados surgiram conflitos de competência, de tal forma que ambos os “poderes” (religioso e secular) se mantiveram em crises permanentes de utilização e adversidades mútuas, desde as investiduras (Séc. XI – XII), passando pelas disputas conciliares (Séc. XV), até à ruptura protestante e às guerras posteriores (Séc. XVI – XVII). A culminar este cenário real, surge, a partir do Séc. XVIII, a ilustração racional, com a institucionalização da ciência e do capitalismo. O resultado daquelas lutas e processos somos nós, os ocidentais, com um passado cristão, um presente de globalização neoliberal e um futuro de comunicação gratuita ou de destruição massiva.

O Papa Francisco está, segundo a minha humilde opinião, no caminho certo para a realização desta revolução. Tem o saber dos Jesuítas, a humildade dos Franciscanos, a força do Evangelho e a coragem da Fé.
Não há respostas dadas, mas um caminho comum, não esquecendo o passado, mas sem o fechar, retornando ao mar largo do Evangelho, para entender a tradição e recriar a missão da Igreja. Neste contexto, para entender melhor a mudança necessária a operar.
Convém, ainda, relembrar a necessidade de abolir o “esquema das clientelas”. Esta forma de actuar foi importante no Império Romano. Aí, para mostrar a sua grandeza, os patronos de ordem superior (Senadores, Nobres…) e os novos-ricos procuravam os serviços de um determinado tipo de clientes que os apoiavam e, em compensação, recebiam os seus benefícios. Este esquema, aparentemente terminado (pelo menos em sentido histórico), mantém-se em certas posturas eclesiásticas, como se os leigos fossem clientes de uma hierarquia, da qual recebiam serviços espirituais.
Num mundo multiforme, onde as igrejas perderam a sua função oficial (apesar das concordatas), os clientes religiosos têm cada vez mais capacidade e vontade em eleger os ofícios sagrados e os patronos-ministros que melhor respondam às suas necessidades e opções, convertendo, assim, os serviços religiosos num supermercado. Logicamente, o mercado religioso deve cuidar e programar as suas ofertas, dentro dos grupos (religiões, igrejas, seitas…), para manter e aumentar as suas vendas. Mas, isso não é Evangelho.
Este sistema existia já na queda do império romano quando, ressequida e quase morta a religião tradicional, se multiplicaram as ofertas orientais, cultos misteriosos e grupos gnósticos, que acabaram por ser incapazes de saciar a sede do povo.
As crises de então deram origem ao triunfo do Cristianismo no Ocidente.
A Igreja Católica tem vindo a falar, desde há algum tempo, da necessidade de uma nova evangelização. Mas tudo parece indicar que os “poderosos da Igreja” não querem que se realize aquilo que apregoam. É normal procederem assim – perderiam privilégios.
Mas, o problema pode, também, estar na forma como se divulga o Evangelho que não responde à mensagem de Cristo, nem aos sinais dos tempos. O problema pode ainda ser dos mensageiros e da forma como o divulgam.

Num encontro com o Conselho Pontifício para os Leigos, que durante os últimos dias realizaram um simpósio sobre o tema, o Papa Francisco analisou as novas vias de divulgação do Evangelho.
Entre as possibilidades que oferece a comunicação digital, a mais importante é a da evangelização [mas], o anúncio [do evangelho] baseia-se em relações humanas autênticas e directas para desembocar num encontro pessoal com o Senhor”, assegurou o pontífice.
Francisco advertiu, não obstante, que “não se pode dizer que a presença da Igreja na internet seja inútil”.
É indispensável estar presente, sempre com estilo evangélico, nisto [internet], que sobretudo para os jovens, se converteu numa espécie de forma de vida, o lugar em que despertam as perguntas que têm no coração sobre o sentido da existência”, acrescentou.
O Papa advertiu ainda que os cristãos podem desiludir-se e deparar-se com perigos e “moedas falsas” na internet, mas recordou que haverá “preciosas possibilidades para guiar os homens até [...] Jesus”. (Ver aqui)

As revoluções, no Século XXI, fazem-se com o apoio das novas tecnologias e das redes sociais para, rapidamente, cortarem com todo o passado mesquinho, corrupto e oportunista.
Uma revolução para ser eficaz e para bem das pessoas é sempre um acto romântico, de abnegação e de coragem.

Como escreveu Leonardo Boff:
Até aqui falamos do factor religioso na sua natureza sadia. Mas ele pode ficar doente. Daí nasce a doença do fundamentalismo, do dogmatismo e da exclusividade da verdade. Mas toda doença remete à saúde. O factor religioso deve ser analisado a partir da sua saúde e não da sua doença. Então o factor religioso sadio torna-nos mais sensíveis e humanos. A sua volta sadia é urgente hoje, pois ajuda-nos a amar o invisível e tornar real aquilo que ainda não o é, mas pode vir a ser”.


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