O médico e exilado político guinéu-equatoriano Samuel Mba
Mombe escreveu uma carta aberta ao Governo português, na qual expõe a sua “indignação, repulsa e consternação”
pela aceitação da entrada da Guiné Equatorial na Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa (CPLP), em
conselho extraordinário na passada sexta-feira.
Lembrando a “sistemática
e flagrante violação dos direitos humanos na Guiné Equatorial”, Samuel Mba
Mombe lamenta que “um país como Portugal, que um dia sofreu na própria pele os
impactos de uma ditadura e que recebeu o apoio e a solidariedade de outros
Estados, seja hoje o garante de uma cruel ditadura que sequestra, assassina,
prende, tortura”.
“Sua Excelência,
Pedro Passos Coelho
Primeiro-Ministro e Chefe do Governo de Portugal,
Excelência,
Segundo informações de fontes concordantes, o meu país, a Guiné
Equatorial, foi admitido na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)
com o aval do Governo de V. Ex.ª. Nós, guinéu-equatorianos, recebemos esta notícia com indignação, repulsa
e consternação, ao constatar que o Governo
que V. Ex.ª preside cedeu aos interesses económicos que, sem dúvida,
jogaram o papel decisivo para que o nosso país seja aceite como membro de pleno
direito nessa organização.
Ainda que já não nos surpreenda
a hipocrisia dos Estados que se dizem democráticos, como é o caso de
Portugal, a aceitação da ditadura de Teodoro Obiang Nguema pela comunidade de
países lusófonos não faz mais do que confirmar a dupla moral destes Estados.
Quando quase meio mundo condena a sistemática e flagrante violação dos direitos
humanos na Guiné Equatorial, surpreende que Portugal, que já sofreu na própria
carne os impactos de uma ditadura e que recebeu o apoio e solidariedade de
outros Estados, seja hoje o defensor de uma cruel ditadura que sequestra,
assassina, prende, tortura e não atende aos chamamentos da comunidade
internacional para pôr fim às hostilidades contra o seu próprio povo.
Excelência,
O nosso povo já se acostumou a que Obiang, pelo poder do dinheiro,
compre vontades. A sua aceitação na CPLP não foi uma excepção. O que temos de
recordar é que estes dinheiros que
vos fazem bajular o déspota são roubados ao povo da Guiné Equatorial.
V. Ex.ª saberá certamente que este povo continua a definhar na miséria e na
pobreza mais absolutas, apesar do petróleo, do gás e da madeira. É esta a crua
realidade da Guiné Equatorial no momento em que o Governo de V. Ex.ª lhe abre
as portas para ser membro de pleno direito da vossa comunidade.
Excelência,
Ao nosso sofrido povo, que durante quase 45 anos apenas conheceu
regimes ditatoriais, resta-lhe tomar nota deste tipo de decisões. Como um
império nunca dura 100 anos, algum dira recordaremos porque é que agora o que interessa aos ‘democratas’ ocidentais
são as nossas riquezas, as riquezas que os déspotas que arruínam os nossos
países lhes oferecem em bandeja, virando as costas aos sofrimentos de um povo
que exige a liberdade de opinião, de manifestação, de expressão, de movimento,
de eleições livres e transparentes. Em suma, um Estado baseado no respeito
pelos direitos humanos e pela justiça social.
No momento em que escrevo esta carta, a pena de morte continua em vigor
na República da Guiné Equatorial. E um ou outro assassinato acaba de cometer-se
na sinistra prisão de Malabo.
Com alta consideração e estima pessoal,
Dr. Samuel Mba Mombe
Médico no activo e activista político”.
Os realces e os sublinhados são da nossa responsabilidade.
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