Não quero ser “teimoso”, mas quero lutar até que chegue
alguém lúcido que derrube este ultraje – AO90.
Para já, e segundo Ivo Miguel Barroso escreve hoje no
Público, temos mais uma folga de tempo para continuar a lutar contra esta
aberração do pseudo-Acordo.
«O presente escrito versa sobre uma questão jurídica, que pode
ser formulada do seguinte modo:
Quando se iniciou e quando terminará o chamado “prazo de
transição” do “Acordo Ortográfico” de 1990 (AO90) (sendo que este último é aplicável
por via da ratificação do 2.º Protocolo Modificativo, ocorrida em 29 de Julho
de 2008)?
1. Um preceito do Decreto de ratificação do
Presidente da República de 2008 impõe uma reserva ao Tratado do 2.º Protocolo Modificativo
ao AO90, uma restrição a esse compromisso internacional, determinando um prazo
de “seis anos”.
2. Esse “prazo de transição” conta-se a partir
de quando?
O Governo realizou o depósito da ratificação tardiamente, em
13 de Maio de 2009. Porém, esse acto de depósito não chegou a ser publicitado
atempadamente no Diário da República, como a Constituição inequivocamente
exige.
A falta de publicação gera a ineficácia do acto de depósito
na ordem jurídica interna (cfr. art. 119.º, n.º 2, da Constituição). Isto é, por
outras palavras, o AO90, por força do 2.º Protocolo Modificativo, não entrou
em vigor na ordem jurídica interna em 13 de Maio de 2009.
O aviso de tal depósito, reproduzindo o Decreto presidencial
n.º 52/2008, apenas foi publicado em 17 de Setembro de 2010; isto é, volvido 1
ano, 4 meses e 4 dias após a data do depósito.
3. As questões que se colocam são as de saber:
i) A partir de que momento Portugal se encontra vinculado
internacionalmente a iniciar o prazo de transição inerente ao Tratado?;
ii) A partir de que momento o prazo de transição deve começar
a ser contado?
Estas duas questões não têm necessariamente a mesma
resposta. O que interessa verdadeiramente saber é a partir de quando o “prazo
de transição” começa a contar: i) se é com o depósito; ii) ou se é após a
publicação de tal acto de depósito em Diário da República, acrescidos dos cinco
dias de vacatio legis.
4. A data de vinculação ao Tratado e a da realização
do depósito não têm necessariamente que ver com a data do prazo de transição,
que foi previsto por uma reserva ao Tratado.
Apesar de o 2.º Protocolo Modificativo se encontrar
publicado, não é de todo indiferente para os particulares que tenham conhecimento
da data em que o depósito foi realizado; o que só pode ocorrer a partir da data
da publicação.
Com efeito, o início de vigência do prazo de transição
contende directamente com os direitos dos cidadãos portugueses, que obviamente são
particulares necessariamente interessados na previsibilidade do Direito,
que, frise-se, só através da publicidade pode ser alcançada.
Ora, os cidadãos só podem ter conhecimento efectivo da data do
início da entrada em vigor a partir da data de publicação em Diário da
República, acrescidos os cinco dias de vacatio legis. A data do
depósito do Tratado não coincide, pois, com a data de início de contagem do prazo
de transição, para efeitos internos. Dever-se-á, sim, recorrer às regras constitucionais
relativas à publicação do Tratado, da reserva que lhe foi aposta e ao decurso
do período da vacatio legis.
A data para efeitos de contagem do prazo de transição não
poderá, pois, ser, pura e simplesmente, a data do depósito. Com efeito, o
Estado Português não poderá invocar o “prazo de transição”, que não foi objecto
de publicação, contra os cidadãos que poderiam ficar prejudicados. Não
estando o depósito do 2.º Protocolo Modificativo do AO90 devidamente
publicitado, pergunta-se: como é que as pessoas se iriam orientar pelo disposto
no Tratado e “beneficiar” plenamente do prazo de transição de seis anos?
Assim, é forçoso concluir que o depósito do Tratado terá de
ter sido publicado, para que o “prazo de transição” tenha sido iniciado.
5. Ora, se assim é, o prazo de transição não pode ser
contado a partir do depósito; diferentemente da interpretação oficial do Estado.
6. Durante o “prazo de transição”, as grafias do
Português europeu e as decorrentes do AO90 são legítimas, do ponto de vista do
Direito positivo, sem prejuízo de ter ocorrido uma antecipação do final do “prazo
de transição” em largos domínios do Estado-poder e do sistema educativo, aliás inconstitucionalmente.
7. Assim, do exposto, retiramos duas conclusões:
1.ª - O prazo de transição começou a contar a partir da
entrada em vigor do 2.º Protocolo Modificativo na ordem jurídica interna, que é
a contada a partir da publicação, somados os cinco dias de vacatio legis.
Portanto, o prazo de transição iniciou-se em 22 de Setembro
de 2010 (e não em 3 de Agosto de 2008, cinco dias após a publicação da
Resolução n.º 35/2008 no Diário da República e do Decreto presidencial
n.º 52/2008, que procedeu à ratificação, em 29 de Julho de 2008; nem tão-pouco
após a data do depósito, realizado em Maio de 2009; nem no início do ano de
2016, pois não perfaz a totalidade dos seis anos).
2.ª - O prazo de transição terminará somente em 22 de
Setembro de 2016.
8. Destarte, há mais tempo pela frente do que a data
de 13 de Maio de 2015, antes de nos depararmos com o cenário de “democracia
totalitária”, verdadeiramente orwelliano, de imposição de uma “novilíngua”.
Cito a passagem: “a ortografia constante de novos actos,
normas, orientações, documentos ou de bens referidos (...) ou que venham a ser
objecto de revisão, reedição, reimpressão ou de qualquer outra forma de modificação,
independentemente do seu suporte, deve conformar-se às disposições do Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa.” (art. 2.º, n.º 2, do Decreto presidencial
n.º 52/2008).
8.1. As normas que se extraem deste preceito e do
Anexo I do Tratado do AO90 (Bases) padecem de inconstitucionalidades totais e
parciais (remetemos para um escrito que as enuncia sucintamente[1])».
[1]
V. IVO MIGUEL BARROSO / FRANCISCO RODRIGUES
ROCHA, Guia jurídico contra o “Acordo Ortográfico” de 1990. (...), in PÚBLICO
online, pgs. 100-106.
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