E se de repente a Europa começasse a pensar em baixar os
impostos relacionados com o trabalho, em Portugal; a Alemanha criasse um
salário mínimo nacional (€ 1.496,00) … enfim, desconfiaríamos. Será que
pretendem garantir a observância de uma certa estabilidade financeira (que não
económica) para cumprir acordos…?
– Tratado
Transatlântico.
Vejamos o que se poderá “especular”, depois de se ler o
artigo de Lori Wallachi, Directora da Public Citizen’s Global Trade Watch
(Washington), publicado no Le Monde diplomatique
(edição portuguesa).
“Iniciadas em 2008, as discussões sobre o Acordo de Comércio
Livre entre o Canadá e a União Europeia foram concluídas a 18 de Outubro. Um
bom presságio para o governo americano, que espera concluir uma parceria deste tipo com o Velho Continente.
Este projecto, negociado em segredo e intensamente apoiado pelas
multinacionais, permitirá que estas processem
os Estados que não se verguem às normas do liberalismo”.
Será imaginável que multinacionais processem judicialmente
os governos cuja orientação política tenha o efeito de diminuir os seus lucros?
Será concebível que elas possam exigir – e conseguir! – uma generosa
compensação por ganhos cessantes (não realizados), induzida por um direito do
trabalho demasiado constrangedor ou por uma legislação ambiental demasiado
espoliadora? Por inverosímil que pareça, este cenário não é novo. Ele estava já
presente, com toda a clareza, no Projecto de Acordo Multilateral sobre o
Investimento (AMI) negociado secretamente entre 1995 e 1997 pelos vinte e nove
Estados-membros da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
Divulgado “in extremis”, nomeadamente pelo Le Monde diplomatique, o texto suscitou
uma vaga de protestos sem precedentes, forçando os seus promotores a retirá-lo.
Passados quinze anos, eis que regressa
com novas roupagens.
O Acordo de Parceria Transatlântica (APT), negociado desde
Julho de 2013 pelos Estados Unidos e pela União Europeia, é uma versão
modificada do AMI. Prevê que as legislações em vigor dos dois lados do
Atlântico se verguem às normas do
comércio livre estabelecidas por e para as grandes empresas europeias e
norte-americanas, sob pena de sanções comerciais para os países infractores
ou de reparações de vários milhões de euros em benefícios dos queixosos.
Segurança dos alimentos, normas de toxicidade, seguros de
saúde, preço dos medicamentos, liberdade da Internet, protecção da vida
privada, energia, cultura, direitos de autor, recursos naturais, formação
profissional, equipamentos públicos, imigração: não há qualquer domínio de interesse geral que escape à vergonha do
comércio livre institucionalizado.
Eis alguns assuntos que, com as suas gravíssimas
implicações, não foram descurados pelos “outorgantes”:
- Tribunais
especialmente criados
- Processo por
aumento do salário mínimo
- A “injusta”
rejeição da carne de porco com ractopamina
E se, de repente, os grandes da Europa começassem a viajar
(em negócios) por países fora do TTA (por exemplo, a China) …?
– Não, não é Impulse…! Talvez… esperteza… ou poder…
Está já estipulado que os países signatários deverão assegurar
a “colocação em conformidade das suas leis, regulamentos e procedimentos” com
as disposições do tratado. Ninguém duvida que procurarão honrar
escrupulosamente este compromisso. No caso contrário, poderiam ser alvo de
processos judiciais num dos tribunais especialmente criados para arbitrar os
litígios entre os investidores e os Estados, que serão dotados do poder de
sentenciar sanções comerciais contra estes últimos.
Enfim…! É o que nos espera.
O projecto de grande mercado americano-europeu é defendido
há muitos anos pelo Diálogo Económico Transatlântico (Trans-Atlantic Business
Dialogue, TABD), um lóbi hoje mais conhecido pela designação de Trans-Atlantic
Business Council (TABC). Criado em 1995 com o patrocínio da Comissão Europeia e
do Ministério do Comércio norte-americano, este grupo de ricos empresários
milita a favor de um “diálogo” altamente construtivo entre as elites económicas
dos dois continentes, a administração de Washington e os comissários de
Bruxelas. O TABC é um fórum permanente que permite às multinacionais
coordenarem os seus ataques contra as políticas de interesse geral que ainda se
mantêm de pé dos dois lados do Atlântico.
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