terça-feira, 8 de julho de 2014

UM TUFÃO QUE AMEAÇA OS EUROPEUS




E se de repente a Europa começasse a pensar em baixar os impostos relacionados com o trabalho, em Portugal; a Alemanha criasse um salário mínimo nacional (€ 1.496,00) … enfim, desconfiaríamos. Será que pretendem garantir a observância de uma certa estabilidade financeira (que não económica) para cumprir acordos…?

– Tratado Transatlântico.

Vejamos o que se poderá “especular”, depois de se ler o artigo de Lori Wallachi, Directora da Public Citizen’s Global Trade Watch (Washington), publicado no Le Monde diplomatique (edição portuguesa).

“Iniciadas em 2008, as discussões sobre o Acordo de Comércio Livre entre o Canadá e a União Europeia foram concluídas a 18 de Outubro. Um bom presságio para o governo americano, que espera concluir uma parceria deste tipo com o Velho Continente. Este projecto, negociado em segredo e intensamente apoiado pelas multinacionais, permitirá que estas processem os Estados que não se verguem às normas do liberalismo”.

Será imaginável que multinacionais processem judicialmente os governos cuja orientação política tenha o efeito de diminuir os seus lucros? Será concebível que elas possam exigir – e conseguir! – uma generosa compensação por ganhos cessantes (não realizados), induzida por um direito do trabalho demasiado constrangedor ou por uma legislação ambiental demasiado espoliadora? Por inverosímil que pareça, este cenário não é novo. Ele estava já presente, com toda a clareza, no Projecto de Acordo Multilateral sobre o Investimento (AMI) negociado secretamente entre 1995 e 1997 pelos vinte e nove Estados-membros da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Divulgado “in extremis”, nomeadamente pelo Le Monde diplomatique, o texto suscitou uma vaga de protestos sem precedentes, forçando os seus promotores a retirá-lo. Passados quinze anos, eis que regressa com novas roupagens.

O Acordo de Parceria Transatlântica (APT), negociado desde Julho de 2013 pelos Estados Unidos e pela União Europeia, é uma versão modificada do AMI. Prevê que as legislações em vigor dos dois lados do Atlântico se verguem às normas do comércio livre estabelecidas por e para as grandes empresas europeias e norte-americanas, sob pena de sanções comerciais para os países infractores ou de reparações de vários milhões de euros em benefícios dos queixosos.

Segurança dos alimentos, normas de toxicidade, seguros de saúde, preço dos medicamentos, liberdade da Internet, protecção da vida privada, energia, cultura, direitos de autor, recursos naturais, formação profissional, equipamentos públicos, imigração: não há qualquer domínio de interesse geral que escape à vergonha do comércio livre institucionalizado.

Eis alguns assuntos que, com as suas gravíssimas implicações, não foram descurados pelos “outorgantes”:

- Tribunais especialmente criados

- Processo por aumento do salário mínimo

- A “injusta” rejeição da carne de porco com ractopamina

E se, de repente, os grandes da Europa começassem a viajar (em negócios) por países fora do TTA  (por exemplo, a China) …?

– Não, não é Impulse…! Talvez… esperteza… ou poder…

Está já estipulado que os países signatários deverão assegurar a “colocação em conformidade das suas leis, regulamentos e procedimentos” com as disposições do tratado. Ninguém duvida que procurarão honrar escrupulosamente este compromisso. No caso contrário, poderiam ser alvo de processos judiciais num dos tribunais especialmente criados para arbitrar os litígios entre os investidores e os Estados, que serão dotados do poder de sentenciar sanções comerciais contra estes últimos.

Enfim…! É o que nos espera.

O projecto de grande mercado americano-europeu é defendido há muitos anos pelo Diálogo Económico Transatlântico (Trans-Atlantic Business Dialogue, TABD), um lóbi hoje mais conhecido pela designação de Trans-Atlantic Business Council (TABC). Criado em 1995 com o patrocínio da Comissão Europeia e do Ministério do Comércio norte-americano, este grupo de ricos empresários milita a favor de um “diálogo” altamente construtivo entre as elites económicas dos dois continentes, a administração de Washington e os comissários de Bruxelas. O TABC é um fórum permanente que permite às multinacionais coordenarem os seus ataques contra as políticas de interesse geral que ainda se mantêm de pé dos dois lados do Atlântico.


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