quarta-feira, 9 de julho de 2014

O FUTEBOL – RELIGIÃO SECULAR MUNDIAL




O presente Campeonato Mundial de Futebol que se realiza no Brasil, bem como outros grandes eventos futebolísticos, semelhante ao mercado, assumem características, próprias das religiões. Para milhões de pessoas o futebol, o desporto que possivelmente mais mobiliza no mundo, ocupou o lugar que comumente detinha a religião. Estudiosos da religião, somente para citar dois importantes como Emile Durkheim e Lucien Goldmann, sustentam que “a religião não é um sistema de ideias; é antes um sistema de forças que mobilizam as pessoas até levá-las à mais alta exaltação”(Durckheim).

A fé vem sempre acoplada à religião. Esse mesmo clássico afirma no seu famoso “As formas elementares da vida religiosa”: “A fé é antes de tudo calor, vida, entusiasmo, exaltação de toda a actividade mental, transporte do indivíduo para além de si mesmo”(p.607). E conclui Lucien Goldamnn, sociólogo da religião e marxista pascaliano: “crer é apostar que a vida e a história tem sentido; o absurdo existe mas ele não prevalece”.

Ora, se bem reparamos o futebol para muita gente preenche as características religiosas: fé, entusiasmo, calor, exaltação, um campo de força e uma permanente aposta de que seu time vai triunfar.

A espectacularização da abertura dos jogos lembra uma grande celebração religiosa, carregada de reverência, respeito, silêncio, seguido de ruidoso aplauso e gritos de entusiasmo. Ritualizações sofisticadas, com músicas e encenações das várias culturas presentes no país, apresentação de símbolos do futebol (estandartes e bandeiras), especialmente a taça que funciona como um verdadeiro cálice sagrado, um santo Graal buscado por todos. E há, valha o respeito, a bola que funciona como uma espécie de hóstia que é comungada por todos.

No futebol como na religião, tomemos a católica como referência, existem os onze apóstolos (Judas não conta) que são os onze jogadores, enviados para representar o país; os santos referenciais como Pelé, Garrincha, Beckenbauer, Eusébio, Ronaldo e outros; existe outrossim um Papa que é o presidente da FIFA, dotado de poderes quase infalíveis. Vem cercado de cardeais que constituem a comissão técnica responsável pelo evento. Seguem os arcebispos e bispos que são os coordenadores nacionais da Copa. Em seguida aparece a casta sacerdotal dos treinadores, estes portadores de especial poder sacramental de colocar, confirmar e tirar jogadores. Depois emergem os diáconos que formam o corpo dos juízes, mestres-teólogos da ortodoxia, vale dizer, das regras do jogo e que fazem o trabalho concreto da condução da partida. Por fim vêm os acólitos – os “bandeirinhas” – que ajudam os diáconos.
O desenrolar de uma partida suscita fenómenos que ocorrem também na religião: gritam-se jaculatórias (palavras de ordem), chora-se de comoção, fazem-se rezas, promessas divinas, figas e outros símbolos da diversidade religiosa brasileira. Santos fortes são aí evocados e invocados.

Existe até uma Santa Inquisição, o corpo técnico, cuja missão é zelar pela ortodoxia, dirimir conflitos de interpretação e eventualmente processar e punir jogadores.

Como nas religiões e igrejas existem ordens e congregações religiosas, assim há as “torcidas organizadas”. Elas têm os seus ritos, os seus cânticos e a sua ética.

Há famílias inteiras que escolhem morar perto do Estádio que funciona como uma verdadeira igreja, onde os fiéis se encontram e comungam seus sonhos. Tatuam o corpo com os símbolos do clube; a criança nem acaba de nascer, mas a porta da incubadora já vem ornada com os símbolos do clube, quer dizer, recebe já aí o baptismo que jamais deve ser traído.

Considero razoável entender a fé como a formulou o grande filósofo e matemático cristão Blaise Pascal, como uma aposta: se aposta que Deus existe tem tudo a ganhar; se de facto não existe, não tem nada a perder. Então é melhor apostar de que exista. O adepto vive de apostas (cuja expressão maior é a lotaria desportiva) de que a sorte beneficiará a equipa ou de que outra coisa, no último minuto do jogo, tudo pode virar e, por fim, ganhar por mais forte que for o adversário. Como na religião há pessoas referenciais, da mesma forma vale para os craques.

Na religião existe a doença do fanatismo, da intolerância e da violência contra outra expressão religiosa; o mesmo ocorre no futebol: grupos de um clube agridem outros do clube concorrente. Os autocarros são apedrejados. E podem ocorrer verdadeiros crimes, de todos conhecidos, que claques organizadas e de fanáticos que podem ferir e até matar adversários de outro clube concorrente.

Para muitos, o futebol transformou-se numa cosmovisão, uma forma de entender o mundo e de dar sentido à vida. Alguns são sofredores quando seu clube perde e eufóricos quando ganha.

Há jogadores que são geniais artistas de criatividade e habilidade. Não sem razão, o maior filósofo do século XX, Martin Heidegger, não perdia um jogo importante, pois via, no futebol a concretização de sua filosofia: a contenda entre o Ser e o Ente, enfrentando-se, negando-se, compondo-se e constituindo o imprevisível jogo da vida, que todos jogamos.

Adaptado de Leonardo Boff.


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