RTP
27 Out, 2015, 10:22 | Eleições
Legislativas 2015
|Rafael Marchante - Reuters
Portugal votou, Cavaco falou e o mundo reagiu. Depois da
imprensa e dos comentadores nacionais, também lá fora se multiplicam as reacções
ao discurso do Presidente. Das mais diversas proveniências, da esquerda à
direita, o Presidente da República é trucidado por boa parte da imprensa
internacional.
THE TELEGRAPH
À cabeça das publicações mais críticas encontra-se o
conceituado diário britânico The Telegraph, primeiro com um artigo
da autoria de Ambrose Evans-Pritchard, que começa por conceder: "O presidente Cavaco Silva pode ter razão ao
calcular que um Governo socialista em aliança com os comunistas precipitaria um
confronto de primeira grandeza com os mandarins da austeridade da UE".
O "monstro" que Bruxelas criou
Aquilo que classifica como "o grande plano de reflação
keynesiana do sr. Costa", acrescenta Evans-Pritchard, seria "inteiramente incompatível" com os
mandamentos austeritários vindos de Bruxelas.
Acontece que, ainda segundo Evans-Pritchard, "o demencial tratado orçamental obriga
Portugal a cortar a dívida até 60 por cento do PIB nos próximos 20 anos numa
permanente armadilha de austeridade, e a fazê-lo exactamente da mesma forma
como toda a Europa do sul está a tentar fazê-lo, e tudo sobre um pano de fundo
de poderosas forças deflacionárias à escala mundial".
E comenta: "A
estratégia de combater o massivo fardo da dívida do país através de um permanente
apertar do cinto é em larga medida auto-destrutiva, visto que o efeito de um
PIB nominalmente estagnado agrava a dinâmica da crise".
O articulista considera que "Portugal vai precisar de uma reestruturação da dívida quando vier o
próximo abanão global". E lembra que "não há qualquer hipótese de a Alemanha concordar com uma união fiscal
europeia em tempo útil para impedir que isto aconteça".
À vista desta análise, não surpreende a conclusão política:
"O sr. Cavaco Silva está realmente
a usar o cargo para impor uma agenda política reaccionária, no interesse dos
credores e do establishment da zona euro e travestindo tudo isto com
assinalával Chutzpah [nota do tradutor: descaramento] como defesa da
democracia".
A concluir, Evans-Pritchard nota que "os conservadores portugueses e os seus
media comportam-se como se a esquerda não tivesse direito legítimo a assumir o
poder, e devesse ser mantida ao largo por todos os meios. Estes reflexos são
conhecidos – e arrepiantes – para qualquer pessoa familiarizada com a História
ibérica do século XX, ou da América Latina". E mais adiante: "Bruxelas criou realmente um monstro".
Cavaco inventou "um papão"
Também no mesmo The Telegraph, um outro artigo
de Mehreen Khan nota que o discurso de Cavaco excluiu do poder a aliança de
esquerda e, portanto, "não admira
que esta posição tenha reforçado a esquerda radical no país".
A autora lembra que, "até à eleição deste mês, Portugal era considerado excepcional na Europa
mediterrânica pela evidente inexistência de um movimento populista
anti-austeridade nos moldes de Podemos em Espanha, ou com a popularidade do
Syriza na Grécia".
"O seu obediente
Governo era considerado 'mais troika do
que a troika' pela sua zelosa aplicação dos cortes draconianos na despesa e
pelos aumentos de impostos num afã de agradar aos credores". "Ironicamente,
muitos observadores notam que a aliança de esquerda do sr. Costa não é de modo
nenhum o papão que foi pintado pelo presidente Cavaco Silva"
Agora, que a crise está declarada, sucede que, "ao contrário dos governos tecnocráticos na
Itália e na Grécia, Bruxelas não tem as suas impressões digitais sobre a arma
em Portugal". Isto porque, explica, a actual crise "é inteiramente fabricada pelas elites políticas
[portuguesas]".
Entretanto, trata-se de uma crise que "tem profundas consequências para a democracia
no resto da zona euro", como parece denunciar a nervosa reacção do
presidente do Governo espanhol, Mariano Rajoy, ao comentar que "não
gosta" do que vê em Portugal".
A concluir, afirma Mehreen Khan que, "ironicamente, muitos observadores notam que
a aliança de esquerda do sr. Costa não é de modo nenhum o papão que foi pintado
pelo presidente Cavaco Silva. Mas a intransigência dele bem poderá desencadear
precisamente o tipo de forças anti-UE que supostamente lhe tiram o sono".
LA TRIBUNE
"Jogo perigoso"
Na versão francófona do diário multinacional La
Tribune, Romaric Godin, comenta que "o cálculo do presidente da República pode parecer de vistas curtas",
mas, na verdade, "visa ganhar tempo para permitir uma
dissolução do parlamento logo que seja possível, ou seja, seis meses depois da
eleição presidencial prevista para Janeiro".
Esta atitude mostra que "a direita portuguesa tenta
contornar a votação de 4 de Outubro instrumentalizando o euro e a UE. Ao fazer
da moção de rejeição um voto por ou contra o euro, o inquilino do Palácio de
Belém tenta dar à direita a maioria que as urnas não lhe deram". E
este jogo, "a médio prazo, parece
muito perigoso".
TAGESSPIEGEL
O presidente menos querido de sempre
No diário conservador alemão Tagesspiegel,
Elisa Simantke considera que "uma
coisa é certa: seja como for que a luta pelo poder agora desencadeada em
Portugal venha a resolver-se, o presidente Aníbal Cavaco Silva só pode perder.
Já hoje o septuagenário de 76 anos é o presidente da República menos estimado
que Portugal alguma vez teve". E contrasta esta cordial detestação do
presidente com as taxas de popularidade que, considera, tinha nos anos 80 e 90
o Cavaco primeiro-ministro.
Entre os motivos para a antipatia por Cavaco Silva, cita a
autora o modo "como ele fundamentou a sua decisão [de reconduzir Passos
Coelho]. Disse ele que um Governo em aliança com forças anti-troika põe em
perigo a 'segurança nacional', quando é de importância vital a colaboração com
os investidores".
HUFFINGTON POST
Um ataque à democracia
Na imprensa norte-americana, destaca-se o artigo de Daniel
Marans, no Huffington
Post, ao fazer notar como "o dilema colocado na ordem do dia
em Portugal mostra como as imposições económicas da zona euro minam o
empenhamento na democracia".
E cita o historiador António Costa Pinto, apoiante declarado
da coligação encabeçada por Passos Coelho, que no entanto declarou àquele
jornal norte-americano o seu repúdio pela tentativa de Cavaco Silva para
ostracizar os partidos de esquerda.
Segundo Costa Pinto, "o presidente não pode excluir da
democracia portuguesa dois partidos – o Bloco de Esquerda e dos comunistas –
que representam um milhão de eleitores e 20 por cento do eleitorado português".
MARIANNE
"Golpe de Estado silencioso"
Um golpe de Estado. Silencioso, mas um golpe de Estado. É a
expressão usada pelo economista Jacques Sapir num artigo de opinião publicado
no site da revista francesa Marianne.
Sapir censura a decisão de Cavaco Silva mas concentra críticas na
“antidemocrática” União Europeia.
O economista começa por defender que é falsa a ideia de que
a coligação Portugal à Frente venceu as eleições, uma vez que “uma maioria dos eleitores portugueses votou
contra as medidas de austeridade”. “Qualquer outra decisão assemelha-se
a um acto inconstitucional, um ‘golpe de Estado’ ”.
O economista aponta que o Presidente da República “não tem o poder de interpretar as intenções
futuras para se opor à vontade dos eleitores” e que, a ser apresentado um
acordo para um executivo de esquerda, Cavaco “deve dar-lhe uma oportunidade”. “Qualquer outra decisão assemelha-se a um acto inconstitucional, um ‘golpe de Estado’”, aponta Sapir.
O ensaísta justifica a decisão de Cavaco Silva em rejeitar
uma coligação de esquerda pelo receio de entrar em “confronto” com a União Europeia e o Eurogrupo. Jacques Sapir
compara mesmo a actual situação ao impasse grego que marcou o último ano e
culminou com a assinatura do terceiro resgate.
O economista rejeita que Portugal seja a prova de que a
austeridade resulta, apontando para o crescimento “muito precário” da
economia e para os números do défice, da dívida pública e da taxa de
desemprego. A culpa, defende Sapir, é da pouca produtividade do trabalho,
cimentada numa mão-de-obra “mal ou pouco
qualificada” e na falta de investimento.
“Nas décadas de 1980 e
1990, Portugal conseguiu acomodar a sua baixa produtividade com a
desvalorização da moeda. Desde 1999 e com a entrada no euro, isto é impossível”,
ressalva, voltando a apontar armas à moeda e às instituições europeias.
“A responsabilidade do
euro na situação económica de Portugal é inegável. Mas a responsabilidade das
autoridades europeias no caos económica e político que poderá ocorrer é
igualmente certa”.
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