segunda-feira, 19 de outubro de 2015

CARTA ABERTA AO PRESIDENTE DE ANGOLA



ALÍPIO DE FREITAS, hoje um cidadão do mundo, nasceu no Nordeste de Portugal, na cidade de Bragança. Ordenou-se sacerdote em 1953. Emigrou para o Brasil em 1957. Foi professor de História e Filosofia da Universidade do Maranhão. Jornalista. Vigário de subúrbio. Assistente da Juventude Operária Católica e da Acção Católica Operária. Participou da organização do movimento camponês no Norte e Nordeste do Brasil. Foi membro do Secretariado Nacional das Ligas Camponesas. Em 1962, por questões político-ideológicas, desligou-se da Igreja. Sequestrado no Recife (1962) e preso em João Pessoa (1963), respondeu a dois IPMs por causa da sua actividade política junto aos camponeses. Em 1964 foi, como exilado político, para o México. Regressou clandestinamente ao Brasil e participou da organização e deflagração da luta armada contra o regime militar. Em meados de 1970, foi preso pelo DOl-CODl/RJ. Sobreviveu à tortura e à prisão. Em Fevereiro de 1979, depois de ter cumprido as condenações impostas pela Justiça Militar, recuperou a liberdade.

Escreveu o livro RESISTIR É PRECISO que, como ele próprio escreveu, é o testemunho de um militante político que sobreviveu à tortura e à prisão, [que] é a denúncia de um tempo em que os falsos pressupostos de uma doutrina, chamada de segurança nacional, se cravaram como garras no corpo social da nação, dilacerando-a bárbara e impunemente.

RESISTIR É PRECISO é a afirmação de que se alguém está disposto a morrer por aquilo em que acredita, pode ser triturado pela máquina do terror, que a sua condição de homem sobrevive, pois todo o homem pode manter-se VIVO enquanto resistir.

RESISTIR É PRECISO é um libelo contra a opressão como forma de vida política, contra o silêncio das mordaças, contra todos os processos de aviltamento do homem, contra a corrupção ideológica erigida em serviço da comunidade.

RESISTIR É PRECISO é a constatação de como o arbítrio avilta os homens e as instituições, corrompendo-os pelo abuso do poder…

Este lutador escreveu uma carta aberta a José Eduardo dos Santos. Todos serão poucos para fazer chegar esta carta ao seu destino. Por isso publico, na expectativa de chegar a Eduardo dos Santo. Ei-la:

Carta aberta ao Presidente de Angola

Senhor Presidente:
Ao mandar prender Luaty Beirão e os 14 ativistas, que estão até agora encarcerados sem culpa formada, não devia saber que um homem se quiser pode resistir e sobreviver vitoriosamente a qualquer forma de opressão.

Não devia saber porque se esqueceu. Esqueceu que já foi jovem, que já lutou por ideais. Ideais de liberdade de democracia e bem-estar social. Esqueceu tudo porque infelizmente o seu país é o exemplo contrário de tudo isto. É uma ditadura cruel, um valhacouto de ladrões, uma associação de interesses mesquinhos, melhor dizendo, um país sem povo. Quem lho afirma é alguém que durante dez anos esteve preso, sobreviveu às greves de fome e à tortura. Esta é a afirmação de um homem que esteve disposto a morrer por aquilo em que acreditava. E digo-lhe que um homem pode ser triturado pela máquina do terror que a sua condição de homem sobrevive, pois todo o homem pode manter-se vivo enquanto resistir.

A luta dos jovens angolanos é um libelo contra a opressão como forma de vida política, contra o silêncio das mordaças, contra todos os processos de aviltamento dos seres humanos, contra a corrupção ideológica. A luta dos jovens angolanos é a constatação de como o arbítrio avilta os indivíduos e as instituições, corrompendo-os pelo abuso do poder, pela falsa certeza da impunidade, pela imposição imoral de uma vontade sem limites, pelo silêncio indigno, pela conivência criminosa, pela omissão filha do medo, em que o silêncio do terror tem que ser aceito como paz social.

Se me atrevo a dizer-lhe tudo isto é porque Angola fez parte do meu ideário político e das minhas preocupações revolucionárias e muitos revolucionários angolanos foram meus amigos. Quando parti de Portugal para o Brasil devia ter partido para Angola, mas já nesse tempo as condições da minha ida não foram possíveis, devido às minhas ligações com a resistência angolana. No Brasil, colaborei com a resistência angolana e fui seguindo os seus passos como pude a té porque eu já estava umbilicalmente ligado à resistência brasileira. Mesmo assim, à minha única filha, coloquei o nome de Luanda.

Senhor Presidente, é tempo de não se deixar enredar por intrigas palacianas, por intrigantes gananciosos, por saqueadores de todo o tipo. Quando esse saque acabar o único responsável será o senhor. Se tiver ainda um momento de reflexão possível recorde-se dos seus tempos de jovem quando a revolução do seu país lhe ocupava a sua força, a sua inteligência e todas as suas capacidades. O tempo em que provavelmente era feliz.

Como sabe, o poder tanto pode chegar aos que dele abusarão como àqueles que o usarão com legitimidade a favor dos seus povos. Mas só os poderosos podem ser magnânimos, cometer actos que aos outros mortais não são possíveis Tem agora tempo de ser magnânimo: retire os presos da prisão, ouça-os e depois peça-lhes desculpa. Eles merecem.

Lisboa, 18 de Outubro de 2015

Alípio de Freitas



1 comentário:

Reinaldo Ribeiro disse...

Infelizmente são poucos os homens com a grandeza de espírito e a dignidade de Alípio de Freitas.
Se mais houvessem, talvez, a humanidade trilhasse um caminho diferente.

Reinaldo