ALÍPIO DE FREITAS, hoje um cidadão do mundo, nasceu no
Nordeste de Portugal, na cidade de Bragança. Ordenou-se sacerdote em 1953. Emigrou
para o Brasil em 1957. Foi professor de História e
Filosofia da Universidade do Maranhão.
Jornalista. Vigário
de subúrbio. Assistente da Juventude Operária Católica e da Acção Católica
Operária. Participou da organização do
movimento camponês no Norte e Nordeste do Brasil. Foi membro do Secretariado
Nacional das Ligas Camponesas. Em 1962, por questões político-ideológicas, desligou-se
da Igreja. Sequestrado no Recife (1962) e preso em João Pessoa (1963), respondeu a dois IPMs por
causa da sua actividade política junto aos camponeses. Em 1964 foi, como
exilado político, para o México. Regressou clandestinamente ao Brasil
e participou da organização e deflagração da luta armada contra o regime
militar. Em meados de 1970, foi preso pelo
DOl-CODl/RJ. Sobreviveu à tortura e à prisão. Em
Fevereiro de 1979, depois de ter cumprido as condenações impostas pela Justiça
Militar, recuperou a liberdade.
Escreveu o livro RESISTIR É PRECISO que, como ele
próprio escreveu, é o testemunho de um
militante político que sobreviveu à tortura e à prisão, [que] é a denúncia de
um tempo em que os falsos pressupostos de uma doutrina, chamada de segurança
nacional, se cravaram como garras no corpo social da nação, dilacerando-a
bárbara e impunemente.
RESISTIR É PRECISO é a afirmação de
que se alguém está disposto a morrer por aquilo em que acredita, pode ser
triturado pela máquina do terror, que a sua condição de homem sobrevive, pois
todo o homem pode manter-se VIVO enquanto resistir.
RESISTIR É PRECISO é um libelo contra
a opressão como forma de vida política, contra o silêncio das mordaças, contra
todos os processos de aviltamento do homem, contra a corrupção ideológica
erigida em serviço da comunidade.
RESISTIR É PRECISO é a constatação de
como o arbítrio avilta os homens e as instituições, corrompendo-os pelo abuso
do poder…
Este
lutador escreveu uma carta aberta a José Eduardo dos Santos. Todos serão poucos
para fazer chegar esta carta ao seu destino. Por isso publico, na expectativa
de chegar a Eduardo dos Santo. Ei-la:
Carta
aberta ao Presidente de Angola
Senhor
Presidente:
Ao
mandar prender Luaty Beirão e os 14 ativistas, que estão até agora encarcerados
sem culpa formada, não devia saber que um homem se quiser pode resistir e
sobreviver vitoriosamente a qualquer forma de opressão.
Não
devia saber porque se esqueceu. Esqueceu que já foi jovem, que já lutou por
ideais. Ideais de liberdade de democracia e bem-estar social. Esqueceu tudo
porque infelizmente o seu país é o exemplo contrário de tudo isto. É uma
ditadura cruel, um valhacouto de ladrões, uma associação de interesses
mesquinhos, melhor dizendo, um país sem povo. Quem lho afirma é alguém que
durante dez anos esteve preso, sobreviveu às greves de fome e à tortura. Esta é
a afirmação de um homem que esteve disposto a morrer por aquilo em que
acreditava. E digo-lhe que um homem pode ser triturado pela máquina do terror
que a sua condição de homem sobrevive, pois todo o homem pode manter-se vivo
enquanto resistir.
A
luta dos jovens angolanos é um libelo contra a opressão como forma de vida
política, contra o silêncio das mordaças, contra todos os processos de
aviltamento dos seres humanos, contra a corrupção ideológica. A luta dos jovens
angolanos é a constatação de como o arbítrio avilta os indivíduos e as
instituições, corrompendo-os pelo abuso do poder, pela falsa certeza da
impunidade, pela imposição imoral de uma vontade sem limites, pelo silêncio
indigno, pela conivência criminosa, pela omissão filha do medo, em que o
silêncio do terror tem que ser aceito como paz social.
Se
me atrevo a dizer-lhe tudo isto é porque Angola fez parte do meu ideário
político e das minhas preocupações revolucionárias e muitos revolucionários
angolanos foram meus amigos. Quando parti de Portugal para o Brasil devia ter
partido para Angola, mas já nesse tempo as condições da minha ida não foram
possíveis, devido às minhas ligações com a resistência angolana. No Brasil,
colaborei com a resistência angolana e fui seguindo os seus passos como pude a
té porque eu já estava umbilicalmente ligado à resistência brasileira. Mesmo
assim, à minha única filha, coloquei o nome de Luanda.
Senhor
Presidente, é tempo de não se deixar enredar por intrigas palacianas, por
intrigantes gananciosos, por saqueadores de todo o tipo. Quando esse saque
acabar o único responsável será o senhor. Se tiver ainda um momento de reflexão
possível recorde-se dos seus tempos de jovem quando a revolução do seu país lhe
ocupava a sua força, a sua inteligência e todas as suas capacidades. O tempo em
que provavelmente era feliz.
Como
sabe, o poder tanto pode chegar aos que dele abusarão como àqueles que o usarão
com legitimidade a favor dos seus povos. Mas só os poderosos podem ser
magnânimos, cometer actos que aos outros mortais não são possíveis Tem agora
tempo de ser magnânimo: retire os presos da prisão, ouça-os e depois peça-lhes
desculpa. Eles merecem.
Lisboa,
18 de Outubro de 2015
Alípio de Freitas
1 comentário:
Infelizmente são poucos os homens com a grandeza de espírito e a dignidade de Alípio de Freitas.
Se mais houvessem, talvez, a humanidade trilhasse um caminho diferente.
Reinaldo
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