Obrigado
Frei Bento Domingues por nos relembrar a luta dos povos contra a opressão, a
coragem deste Papa Francisco e, ainda, pelo alerta que faz ao povo português
para acordar da letargia a que se acomodou. Espero que o povo acorde e desperte
para a reconquista da sua dignidade.
O
próprio Papa Francisco tem dado o exemplo…
Oscar Romero
Texto
de Frei bento Domingues, no Público:
«Em Fevereiro de 2015, o papa Francisco venceu as
manobras dos cardeais adversários de Óscar Romero.
1.
Óscar Romero, arcebispo de San Salvador, nasceu a 15 de Agosto de 1917 e foi
assassinado, a 24 de Março de 1980, enquanto celebrava a Eucaristia. Antes de
ser morto, ainda teve tempo de explicar, durante a homilia, que, apesar das
ameaças de morte que lhe eram feitas, estava disposto a continuar a lutar
contra a violência e a favor dos mais desprotegidos de El Salvador: Outros
continuarão, com mais sabedoria e santidade, os trabalhos da Igreja e do meu
país.
G.
Gutiérrez, considerado o pai da Teologia da Libertação, sublinha: Romero não
buscou o martírio, encontrou-o no caminho da sua fidelidade a Jesus Cristo, na
firme atitude de pastor que não se calou perante as injustiças e humilhações
quotidianas que vitimavam o seu povo [1].
Em
Fevereiro de 2015, o papa Francisco venceu as manobras dos
cardeais adversários de Óscar Romero. Reconhecendo-o como mártir, aprovou o decreto da sua
beatificação, celebrada solenemente, no passado dia 23 de Maio, na capital de
El Salvador e evocada no Convento de S. Domingos de Lisboa.
Para
entender o desígnio deste assassinato e o sentido desta beatificação é preciso
ter em conta a grande turbulência
política e eclesial, caracterizada por um longo período de extrema
violência, na América Central e no conjunto da América Latina. Os anos
compreendidos entre 1977 e 1987 foram especialmente duros.
Nesse
decénio crítico, muitos desses Estados tiveram regimes repressivos que se
autojustificavam pela luta contra as guerrilhas revolucionárias ou comunistas.
Os Estados Unidos apoiavam as lutas contra-revolucionárias; Cuba e os países de
Leste sustentavam, com frequência, as guerrilhas.
Recordemos
algumas datas bem conhecidas: a Argentina, depois do regresso e da morte de
Péron, viveu numa ditadura militar de 1973 a 1982; o Brasil, de 1964 a 1985; o
Chile encontrava-se, desde 1973 até 1989, sob a ditadura de Pinochet; o
Paraguai foi governado pela ditadura militar de 1954 a 1989; o Uruguai conheceu
uma feroz repressão entre 1973 e 1985; o Perú foi atingido pela guerrilha e
pelo tráfico de droga; a Colômbia conheceu, a partir de 1947, uma dramática
guerra civil e depois foi atravessada por fortes violências de vários grupos
revolucionários ou de cartéis de narcotraficantes [2].
2.
Perante os acontecimentos e a repressão, a análise dessas situações levou
alguns movimentos cristãos à conclusão de que o caminho reformista era
insuficiente. É neste contexto que é preciso entender a progressiva
radicalização de O. Romero. O arcebispo Rivera, seu sucessor, observa: não
estou de acordo com aqueles que apresentam Romero como um homem de batina que
passou à revolução. O que aconteceu foi simplesmente isto: as massas populares,
exacerbadas por tantas injustiças e repressões, desceram às ruas, praticando a
desobediência civil e política. A Segurança Pública respondeu com uma repressão
ainda mais violenta e, em seu auxílio, ocorreram também os esquadrões da morte.
O
episcopado salvadorenho estava dividido. João Paulo II aconselhava o arcebispo
a manter uma posição equilibrada, pois não se podia pensar apenas em defender a
justiça, mas também em evitar que uma vitória revolucionária colocasse a Igreja
em dificuldade.
A
defesa do equilíbrio é também a preocupação do Arcebispo, mas não coincidia com
o calculismo do Papa. A situação estava cada vez mais polarizada. A sua opção
pelos pobres e pela defesa dos direitos humanos não lhe permitiam partilhar as
posições revolucionárias, mas por outro, estava cada vez mais distante do poder
económico e político. A violência e a morte contra as populações exerciam-se de
forma preferencial sobre os padres.
O alvo
principal foi atingido quando declarava na catedral: Assim como Cristo
florescerá numa Páscoa de ressurreição imperecível, é necessário acompanhá-lo
numa Quaresma, numa semana santa que é cruz, sacrifício, martírio. E, sem o
procurar, foi martirizado a 24 de Março de 1980.
3.
Diz-se que, entre os adversários da canonização de D. Óscar, estavam dois
influentes cardeais colombianos: Alfonso López Trujillo, que já morreu,
e Darío Castrillón Hoyos, aposentado. Ambos eram conhecidos pelas suas
posições ultra-conservadoras e ocupavam, na década de 1990, importantes cargos
na Cúria Romana. A arrogância desses cargos e posições não lhes garantiu grande
clarividência.
A
homilia de Romero, a 21 de Janeiro de 1979, no funeral do padre Octávio Ortiz e
de mais quatro jovens assassinados pelas forças de segurança salvadorenhas,
numa casa de retiros, é mais realista: Este mundo passa; somente
permanece a alegria de se ter vivido para implantar, nele, o reino de Deus.
Passarão pela boca do mundo todos os boatos, todos os triunfos, os capitalismos
egoístas, os falsos êxitos da vida. Tudo isso passa. O que não passa é o amor,
a coragem de reverter o dinheiro, os bens e a profissão ao serviço dos outros,
a felicidade de compartilhar e de sentir todos os seres humanos como irmãos. Ao
entardecer da vida, julgar-te-ão pelo amor.
[1] Cf.
O excelente trabalho de António Marujo em http://religionline.blogspot.pt/2015/03/oscar-romero-35-anos-depois-da-morte-se.html
[2] Cf.
Andrea Riccardi, O Século do Martírio, Quetzal, Lisboa, 2002, 395-401;
Victor Codina, SJ, El Espírito del Señor actúa desde abajo, cap.I, Sal
Terrae, 2015; Roberto Morozzo della Rocca, Oscar Romero, Ed. A.O, Braga,
2015»