quinta-feira, 8 de maio de 2014

NÃO NOS DEIXEM SOZINHOS!



 (fonte)

Durante três dias milhares de pessoas despediram-se de Dom Tomás e assumiram continuar as causas que ele defendia e as lutas que ele apoiava.

“Não nos deixem sozinhos!” clamou uma indígena Krahô durante celebração no velório de Dom Tomás Balduino, falecido na última sexta-feira, 2 de Maio. O pedido dirigido sobretudo à Igreja, estende-se também aos amigos, amigas, militantes, admiradores e admiradoras de Dom Tomás.

Bispo da reforma agrária, dos indígenas, dos povos do campo e das florestas, dos pobres do Brasil e de toda a América Latina. Assim era conhecido e reconhecido. Para os amigos era, simplesmente, Tomás. De sorriso largo, cheio de simplicidade, Dom Tomás será sempre lembrado pela sua proximidade com os povos que o admiravam. As Igrejas, os povos indígenas e os camponeses fizeram cada um a seu jeito a sua despedida. A família, os amigos, a família dominicana da mesma forma o fizeram. Como foi a sua vida e caminhada, não poderia deixar de ser a sua despedida, plural e diversa, ecuménica e profética, forte e revolucionária.

Plantado na Catedral da Cidade de Goiás está seu corpo, pelo mundo continuará ressoando sua voz pela libertação do povo da terra, por justiça social e por uma sociedade mais justa e igualitária.

“Direitos humanos não se pede de joelhos, exige-se de pé!”

Assim proclamou Dom Tomás. Baptizado Paulo, escolheu por nome Tomás quando tornou-se religioso dominicano. Desde a década de 1950 actuava próximo dos povos indígenas e dos camponeses, quando foi nomeado superior da missão dos dominicanos na Prelazia de Conceição do Araguaia, no Pará. Sempre ávido por mais informações e conhecimento, decidiu estudar linguística indígena, em um curso na Universidade Nacional de Brasília (UNB), onde aprendeu a língua dos índios Xicrin, dos grupos Bacajá e Kayapó. Também diante da necessidade e das dificuldades em percorrer grandes extensões territoriais entre os estados do Pará, Mato Grosso e Goiás, fez curso de piloto aviador, e amigos italianos presentearam-no com um “teco-teco” vermelho. Avião esse que poderia contar inúmeras histórias sobre a seriedade e os cuidados de Dom Tomás ao pilotar, sobre as visitas às aldeias indígenas da Amazónia, algumas vezes levando médicos para cuidar da saúde dos índios, e sobre aqueles e aquelas cujas vidas Dom Tomás salvou ao tirá-los do alvo das ameaças da ditadura militar.

Apesar do delicado estado de sua saúde, a notícia de sua morte pegou a todos de surpresa. Pois até o fim manteve uma lucidez impressionante, pedindo inclusive aos que o cercavam apoio para redigir algumas contribuições que ele queria enviar para serem incorporadas no documento da terra em debate na 52ª Assembleia Geral dos Bispos do Brasil, que ainda acontece em Aparecida (SP) da qual sonhava participar. Continuava a preocupar-se com o povo pobre, dizendo que precisávamos, também, ajudar os andarilhos e “moradores de rua” (os sem-abrigo) desse país. Povo muito sofrido, conforme as suas palavras. Deixava claro que ainda queria lutar, e que tinha muito a fazer e contribuir na busca de um mundo mais justo.

A tristeza da sua partida, que tomou conta de todos e todas que o conheceram, não foi maior que a certeza de que Dom Tomás viveu em plenitude e deixou muitos frutos.

As milhares de pessoas que passaram pelo velório e celebrações, na cidade de Goiânia, na Igreja São Judas Tadeu, da responsabilidade da família dominicana, entre os dias 3 e 4 de maio, e na cidade de Goiás, na tarde do dia 4 e manhã do dia 5 de maio, são provas disso. Dom Tomás foi recebido na cidade de Goiás por cerca de 40 indígenas das etnias Apinajé, Krahô, Krahô-Kanela, Xerente, Tapuia e Karajá, vindos dos estados do Tocantins e de Goiás. O corpo entrou na catedral de Nossa Senhora de Santana pelas mãos dos indígenas, que realizaram os rituais conforme seus costumes. O rosto de Dom Tomás recebeu a pintura de urucum e um grande cocar foi colocado no caixão, acima de sua cabeça.

Dom Tomás foi sepultado na catedral de Goiás, levando junto bandeiras dos movimentos sociais camponeses, de sindicatos e organizações que receberam o apoio de Dom Tomás. Ele era o mestre e inspirador das lutas, mas também sabia ser rígido e crítico quando era necessário. Da mesma forma o fez com governantes e partidos políticos, mesmo com aqueles que em algum momento apoiou, mas que em decorrência de sua actuação, ou da sua não actuação, achou por bem criticar e cobrar. Estendeu as mesmas críticas à Igreja, ou melhor, às igrejas, que se afastavam do compromisso evangélico de estar ao lado do povo pobre e injustiçado.

Dom Tomás continua vivo nas lutas do povo pobre da terra de todo o mundo. A sua voz ecoa no grito do camponês e do indígena que exigem terra para trabalhar e a preservação de seus territórios. Os seus ensinamentos continuam presentes nas Igrejas que promovem o povo oprimido. O seu coração continua a pulsar naqueles que se organizam, naqueles que lutam, nas fileiras em marcha por esse país, seguindo bandeiras de um mundo mais justo.

Temos vindo a conhecer o Papa Francisco. Ficámos a conhecer D. Tomás. Percebe-se agora as razões dos antigos ditadores da América Latina, sempre tão preocupados em “subornar” a cúria romana (e o papado), evitando conhecer-se o pulsar da verdadeira igreja revolucionária que despontava.


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