UM Hino à Liberdade é, para além
do que escreve Leonardo Boff no texto seguinte, a vida do meu irmão mais velho,
que hoje – 2 de Novembro – completa 75 anos.
Sempre foste livre; por vezes,
incompreendido; mas eras e és autêntico.
Parabéns, Domingos!
«A VANTAGEM DA IMPERFEIÇÃO
Em tempos em risco de
nossa liberdade, é importante pensarmos em sua importância. Nascemos completos
mas imperfeitos. Não possuímos nenhum órgão especializado, como a maioria dos
animais. Para sobreviver, temos que trabalhar e intervir na natureza. Os mitos
esclarecem esta situação.
Os indígenas guaicuru, do
Mato Grosso do Sul, perguntaram-se o porquê da imperfeição e do alto
significado da liberdade. Demoraram longo tempo para chegar a uma resposta. A
explicação veio pelo seguinte mito, portador de verdade.
O Grande Espírito criou
todos os seres. Colocou grande cuidado na criação dos humanos. Cada grupo
recebeu uma habilidade especial para sobreviver sem maiores dificuldades. A
alguns deu a arte de cultivar a mandioca e o algodão. Assim podiam se alimentar
e se vestir. A outros deu a habilidade de fazer canoas leves e o timbó. Desta
forma podiam se locomover rapidamente e pescar.
Assim fez com todo os
grupos humanos na medida em que se distribuíam pelo mundo. Mas com os Guaicuru
não aconteceu assim. Quando quiseram sair para as vastas terras, o Grande
Espírito não lhe conferiu nenhuma habilidade. Esperaram, suplicando, por muito
tempo e nada lhes foi comunicado. Mesmo assim resolveram partir. Sentiram logo
muita dificuldade em sobreviver. Resolveram procurar intermediários do Grande
Espírito para receber também uma habilidade.
Primeiro, dirigiram-se ao
vento, sempre soprando e rápido: “Tio vento, tu que sopras pelas campinas,
sacodes as matas e passas por cima das montanhas, venha-nos socorrer”. Mas o
vento que sacudiu as folhas, sequer ouviu o pedido dos guaicuru. Em seguida, se
voltaram para o relâmpago que estremece toda a terra. “Tio relâmpago, você que
é parecido com o Grande Espírito, ajude-nos”. Mas o relâmpago passou tão rápido
que sequer escutou o pedido deles.
Assim os guaicuru
suplicaram às árvores mais altas, aos cumes das montanhas, às águas correntes
dos rios, sempre suplicando: “Meus irmãos, intercedam por nós junto ao Grande
Espírito para não morrermos de fome,” Mas nada acontecia.
Meio desesperados vagavam
por várias paragens. Até que pararam debaixo do ninho de um gavião-real.
Este ouvindo seus lamentos
resolveu intervir e disse: “Vocês, guaicuru, estão todos errados e são uns grandes
bobos”. “Como assim? responderam juntos. “O Grande Espírito se esqueceu de nós.
Você que é feliz, recebeu o dom de um olhar penetrante e perceber um ratinho no
boca da toca e caçá-lo”.
“Vocês não entenderam nada
da lição do Grande Espírito”, retrucou o gavião-real. “A habilidade que ele
lhes deu está acima de todas as outras. Ele vos deu a liberdade. Com ela vocês
podem fazer o que desejarem fazer.”
Os guaicuru ficaram
perplexos e cheios de curiosidade. Pediram ao gavião-real que lhes explicasse
melhor esta curiosa habilidade. Ele, cheio de garbo, lhes falou: “Vocês podem
caçar, pescar, construir ‘malocas’, fazer belas flechas, pintar os corpos, os
potes, viajar para outros lugares e até decidirem o que vocês querem de bom
para vocês e para a própria natureza”.
Os guaicuru se encheram de
alegria e diziam uns aos outros: “que bobos nós fomos, pois nunca discutimos
juntos a vantagem de sermos imperfeitos. O Grande Espírito nunca se esqueceu de
nós. Deu-nos a melhor habilidade, de não estarmos presos a nada, mas de
podermos inventar coisas novas, sabendo das vantagens de nossa imperfeição.
O cacique guaicuru
perguntou ao gavião-real: “Posso experimentar a liberdade?” “Pode”. O cacique
tomou uma flecha e derrubou do alto de uma jaqueira uma grande fruta de jaca. E
todos se deliciaram.
Desde aquele momento, os
guaicuru, exerceram a liberdade. Tornaram-se grandes cavaleiros e nunca puderam
ser submetidos por nenhum outro povo. A liberdade lhes inspiravam novas formas
de se defender e garantir a melhor habilidade dada pelo Grande Espírito.
Os mitos nos inspiram
grandes lições, especialmente nos dias actuais quando forças poderosas,
nacionais e internacionais, nos querem submeter, limitar e até tirar nossa
liberdade. Devemos ser como os guaicuru: saber defender o maior dom que temos,
a liberdade. Devemos resistir, nos indignar e nos rebelar. Só assim fazemos o
nosso próprio caminho como nação soberana e altiva. E jamais aceitaremos que
nos imponham o medo nem que nos roubem a liberdade.»
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